quinta-feira, fevereiro 13, 2020

BANGSE: “Qi PLENO”


BANGSE: “Qi PLENO”

                                              




                                              




PREFÁCIO


            Transcender é a passagem do ser para o devir, é exceder as possibilidades para além do limite da alma, é o total equilíbrio compreendido em seu processo de construção, cujo porvir se concretiza no tudo que existe, no tudo que foi criado.
             O “Qi Pleno” é o Homem inteiro, completo, cheio, absolutamente perfeito dentro de suas possibilidades. É o Homem que preenche o vazio da escuridão. É o Homem que mestreia a luz de suas faculdades mentais. É o Homem que mantém uma constante vigília do saber e da compreensão, que transcende o tempo presente de sua alma.

           



















                                    O PERFEITO EQUILÍBRIO
                                  
Uma “Energia Plena” seria uma não energia. Algo como o vazio, como o nirvana. O nada.
            Poderíamos seguramente afirmar que a “Vontade de Potência” nietzschiana é uma partícula daquilo que chamamos de “Qi Pleno”. Em resumo, Nietzsche define vida como um esforço contínuo que busca constantemente mais potência, sendo a vontade de potência a vida em autossuperação§. E todas as grandes coisas findam por obra de si mesmas, por forças interconectadas, geradoras e destruidoras de si mesmas. Em seus escritos “Vontade de Potência”, Nietzsche afirma a monstruosidade da força, sem início e sem fim, um jogo de forças que ao mesmo tempo se acumulam e mnguam-se, mudando eternamente, sem nenhum cansaço, do “eternamente-destruir-a-si-próprias”. Assim, ele afirma que a força revela a vida.
            O “Qi Pleno”, ao mesmo tempo que se opõe à “vontade de potência”, permite sua estadia em suas entranhas. No “Qi Pleno” não há ação nem reação; não há luta de forças, não há vontade, não há direção, apenas encontramos o nirvana. Daí surgem dois problemas: o que há no nada? Se ele não modifica nem influencia, qual sua importância? Nessas duas fascinantes questões, embora simples, não há clareza nem precisão, porém encontramos a necessidade da existência do nada para justificar a vida. É no nada que tudo circula, é em redor do nada que há toda existência, vida, vontade de potência. 
            É no equilíbrio que surge o ser, o objeto, o eu, o nós, o tudo; é no extremo do equilíbrio que existe a vida, é no equilíbrio que existe a felicidade, é no equilíbrio que existe um imenso vazio que oportuniza a existência de tudo, e, quem sabe, de um Deus. Isso porque é do nada que se está em tudo, é do tudo que se vai para o nada; tudo em um perfeito equilíbrio.






BANGSE E A VOZ

            – Que escuridão é essa? – pensou Bangse.
            – Alô! Quem está aí? – disse ele em voz alta.
            Em meio a um breu inigualável, uma completa escuridão, Bangse se encontrou com algo que não conseguia decifrar ou entender, apenas sentia e ouvia.
            Procurem imaginar-se em algo parecido: uma escuridão total, nenhum feixe de luz, uma imensidão vazia e negra que ocupa um enorme espaço. Vozes, gritos, choros e risadas estavam por toda parte na imensidão do espaço.
Bangse pressentia uma multidão de indivíduos, ou melhor, uma multidão de “cidadãos” que ocupava quase toda parte da imensidão do espaço negro. Ele percorreu partes daquele vazio negro gritando sempre: “Quem está aí?”.
Depois de caminhar um longo percurso, percebeu que não estava nada cansado.  Resolveu então correr; corria, corria e nada de encontrar ninguém, nem de tocar em ninguém em meio a tantas vozes e murmúrios.
Em meio à corrida deu um pulo e percebeu que saltara muito alto. Em seguida, parou e resolveu dar um impulso ainda maior e o resultado foi quase um vôo. Não importava a altura que saltara, os sons das vozes continuavam em todo lado que percorrera.
De repente, Bangse parou. Resolveu deitar. Percebeu nesse momento que seu corpo começou a flutuar. Ele se deixou levar pela imensidão do espaço negro entre as vozes e murmúrios, respirou profundamente várias vezes, nenhum tiquinho de luz que pudesse iluminar uma minúscula pulga aparecia por lá. Aquele lugar sombrio e sensações angustiantes começaram a incomodá-lo. Ele não tinha medo. Era uma inquietação, algo que lhe incomodava a alma, algo que atormentava sua identidade, algo pesado e obscuro que ele sabia sempre o dominou.
– Quem és Tu? – indagou mais uma vez Bangse.
Uma imensa Voz muito grave e estrondosa projetada sobre sua cabeça lhe respondeu (apenas ele, em meio à multidão da escuridão, conseguiu ouvir). Era uma Voz parecida com a de um ator ensaiando seu monólogo num imenso teatro vazio.
– Você acha que me conhece? – perguntou a Voz da escuridão.
– Nem imagino! – disse Bangse.
– Vou lhe dizer uma coisa: Tu vives porque eu autorizei; Tu existes, enquanto pessoa, porque eu admiti. Ninguém aqui permanece sem a minha autorização. Eu mando em todos, posso tudo, aqui é meu território! – exclamou a Voz num tom autoritário, nariz empinado, um tanto antipático.
Em seguida, Bangse acordou.
Bangse se levantou após algumas horas de sono, momentos antes do despertar de seu celular em seu apartamento.
Seu dia foi como de costume: lecionar, ler e refletir, até que chegasse o anoitecer e voltassem seus momentos de insônia na eterna madrugada antes de mais um adormecer. Ao ir para a cama, após horas de reflexão, voltou ao mesmo sonho:
– Demorou a dormir, hein, Bangse! – exclamou a Voz da escuridão. Você sofre com essa maldita insônia porque assim o criei; para seu consolo fique tranquilo que não é somente você, há milhares de pessoas com o mesmo problema. Com alguns sou um pouco pior, sou mais cruel. Tento ser pior com você, porém você é aparentemente tranquilo. Isso me causa certa frustração. Há amigos meus que sofrem com tipos como você. Pessoas como você nos ofendem, vivem querendo nos derrubar, mas nunca conseguirão. Sabe por quê? Simplesmente porque vocês são mais eu que eu vocês.
– Já sei quem Tu és! – exclamou Bangse. Tu estás vagando nesse imenso museu, Tu és a sombra da humanidade!
A Voz interrompeu Bangse imediatamente com muita raiva:
– Como ousas dizer que vago nesse imenso museu?! Eu ocupo toda parte desse imenso museu. Tudo que está aqui me pertence; até mesmo você, que acredita que todo homem é um Deus. Se Deus existe aqui é porque Eu autorizei. Se Eu quiser, tiro Deus daqui. Ele somente existe porque tenho meus interesses.
 – Escute bem! – disse Bangse com um ar de deboche. Não tente impressionar-me nem tampouco ameaçar-me, sei o quão grande Tu és, sei o quanto tantos o adoram, pois Tu os construíste assim, sei o quanto Tu acreditas ser importante. Porém, eu não acredito em Ti! Quando pequeno, ainda criança, te admirava muito, na adolescência te coloquei em dúvida, hoje pouco me importo contigo.
Por alguns instantes houve um silêncio e Bangse continuou:
– Meus pais acreditavam que eu devia amar-te primeiro que a eles. É hilário!
A Voz tentou reprimi-lo gritando:
– Jamais ouses falar comigo dessa maneira! Ninguém fala comigo assim a não ser os mais desenvolvidos. Aqueles a quem tenho uma dívida. Tu não és nada! Quem achas que és? Seu energúmeno inseto! Como te atreves a falar comigo dessa maneira?!
– Aqui posso tudo! – disse Bangse ironicamente. Assim como tu, aqui me permito desafiar-te e tratar-te como igual.
– Tu queres te comparar a mim? Seu maldito atrevido! Como ousas? – disse a Voz, em um tom alto e irritado.
– Aqui somos ambos alma, Tu mesmo disseste: “Vocês são mais eu que eu vocês”. Isso me permite dizer que ambos somos o mesmo, logo aqui me é permitido tudo como a Ti. Aqui, não “Te” temo! Aqui, Tu não tens nenhum poder sobre mim! Aqui, Tu só tens a te defender, a te vangloriar, reclamar e tentar me persuadir. Nada, além disso!
A Voz calou-se por alguns instantes, mas, quando Bangse ameaçou falar, a Voz o interrompeu:
– Tu és muito mais esperto que pensei! Tu és esperto e ao mesmo tempo tolo! Eu te reprimi durante toda a tua vida, por que agora queres te manifestar contra mim?
– Há muito tempo que sou contra Tua existência, porém a grande maioria dos homens jamais compreenderá quem realmente Tu és. – disse Bangse, enquanto voava na imensidão do vazio. – Tens uma alma tão grande quanto o teu território, porém um dia todos os homens te compreenderão, assim como eu!
– Eu não faço homens como tu! Deves entender o quão perigoso és para teus concidadãos! Tem paciência, podemos conversar muito, sei que poderei convencer-te da minha importância. – disse a Voz, agora bem mais calma. – Construo pessoas para viverem em paz, de outro modo elas se matariam, se exterminariam. Tu compreendeste o que digo?
– Muitos intelectuais assim acreditam, Tu os construíste dessa forma. Conheço muito bem o teu poder, mas, para mim, Tu e “Teus” amigos não passais de uns construtores de escravos, “Uns” construtores de homens para servir-vos, a Vós e a vossas vontades. – disse Bangse, em um tom sério, na imensidão da escuridão.
A Voz da escuridão diminuiu bem mais o tom e pôs-se a falar com certo grau de humildade:
– Tu deves compreender que sou apenas um grande construtor de almas, não quero fazer mal às pessoas de bem. Quero apenas que continuem suas vidas e mantenham um modo de ser que respeite a mim e aos outros. Não consegues me enxergar desta forma. – Em um tom irônico que causou risadas em Bangse, a Voz propositalmente disse: – Não consegues, até porque aqui é muito escuro. Agora, sem brincadeirinha: Não consegues sentir a minha importância entre as pessoas. Não pressentes o quanto sou deveras imaculado para os cidadãos de bem?
– Não te apresentes como um inocente de todo o processo da existência humana, não venhas passar-te como uma alma que nada compreende! Tu tens a sabedoria. És um grande manipulador! Tu queres o poder apenas para ti; és um egoísta e sei que realmente possuis tal poder. – disse Bangse com frieza e tranquilidade, convicto do que estava dizendo.
Com muita raiva a Voz se expressou como uma pessoa que fala e simultaneamente range os dentes:
 – Ah, seu maldito humano! Se fosse outro lugar eu mudaria as leis e o  condenaria à morte.
Imediatamente Bangse interrompeu a fala dele:
– Lembra-te que aqui somos ambos iguais. Não permito que me trates assim!

                                   O SONHO DE BANGSE

No dia seguinte tocou o celular de Bangse acordando-o para mais um dia de trabalho. Ele trabalhava praticamente o dia inteiro e não se lembrava dos sonhos da noite anterior. Porém, praticamente todos os dias tinha insônia. A maioria de suas madrugadas passava a ler, refletir e por vezes assistia à TV até o corpo necessitar de alguns momentos de sono. Com o sono, vinham os sonhos.
– Olá! Lembra-se de mim? – indagou Bangse.
– Hoje não quero conversar com você! – respondeu a Voz.
– Por quê? O que teme?
– Você é apenas um pesadelo! Reuni-me com alguns amigos e “Eles” disseram-me que tudo não passa de um pesadelo. Isso porque os homens que tentaram aparecer assim no real, “Nós” os matamos. O mais importante deles, dizem os mais velhos,  “Nós” o crucificamos.
– Embora “Seus” amigos o tenham crucificado, pessoas como ele ainda continuam existindo.
– Vocês, Cristo e suas religiões apenas causam dor e guerra! E você tenta culpar-me por tudo isso? Veja no Oriente Médio a discórdia devido à religião: Palestinos e Judeus numa guerra sem fim. – disse a Voz.
– Ali, no Oriente Médio, a coisa é muito complexa, eu teria que passar horas ou dias para lhe explicar. Porém, vou sintetizar dizendo que em Você as religiões vivem pacificamente porque se encontram sob o domínio de um único “Você”. Se cada religião quisesse seu próprio Estado, seria o caos. Se dividíssemos Você em vários territórios e colocássemos cada religião num espaço, provavelmente não estaríamos longe de uma Palestina e de um Estado Judeu. Não podemos esquecer que ao longo do tempo seus amigos construíram o ódio entre os palestinos e os judeus. Ali, a vingança prevalece. Se não houvesse divisão entre palestinos e judeus, não houvesse Você e os seus, interferindo e provocando ira entre os homens em favor das indústrias bélicas, talvez ali não houvesse esse caos.  Acredito que um dia não haverá mais guerras, porque toda religião prega o amor. Não sejamos inocentes achando que não há interesse monetário e enriquecimento ilícito em muitas das religiões.
– E o que me diz do Estado do Vaticano? 
– Praticamente a Itália inteira segue a religião Católica. Logo, é impossível haver conflitos entre vizinhos.
A Voz interrompeu Bangse:
– Você é apenas um pesadelo! Não devo importar-me com o que diz. “Nosso”  objetivo é construir pessoas para o bem comum, um ou outro sempre dará problemas. Mas se existirem vários como você no mundo real dos homens, os do meu “Espécime” estarão correndo grande risco de extinção. Ainda bem que Você é apenas um pesadelo.
– Sou seu pesadelo como Você e Seus amigos são o meu. Seus amigos constroem homens para guerrearem entre si; eles jogam homens contra homens, causando discórdia, ódio e ressentimento que se perpetuam durante gerações. Isso porque Vocês se colocam acima do espécime humano. Você e Seus amigos desde vários milênios brincam com a morte do ser humano. – respondeu Bangse em tom forte e alto.
Interrompendo mais uma vez Bangse, a Voz disse:
– Blasfêmia! Isso é infame, é mentira! Nós respeitamos os seres humanos, veja a cultura em torno da morte e todas as coisas que beneficiam os que perderam seus entes queridos.
– Decerto há uma cultura e alguns benefícios legais para aqueles que perderam seus entes queridos. Mas isso não justifica nem prova sua inocência no que diz respeito às intrigas causadas por “Vocês”. Isso apenas prova, mais uma vez, o quanto cada um de “Vocês” quer dirigir e escravizar a vida dos seres humanos que habitam a Terra.
– Ora! Você está sendo injusto! Você quer me assombrar, não aguento mais você aqui me perturbando, me assustando. Você é o pior dos pesadelos de todos do meu “Espécime”. Suma daqui!
– Tenha calma! Você parecia tão grandioso na primeira vez em que o encontrei. O que ocorre com Você agora, o que teme?
A Voz e Bangse cessaram suas falas por alguns instantes na imensidão da escuridão e ambos ouviram os murmúrios, os gritos, os choros e as gargalhadas ao fundo.
Bangse aguardou uma resposta da Voz e, não obtendo, continuou:
– Você permanecerá aí em silêncio, escondendo-se atrás dos sons que ouvimos?
– Estamos vigilantes a todo instante. Quando aparecem os anarquistas, alguns de nós aceitamos e não interferimos em seus trabalhos. Por vezes, até admitimos que os trabalhos deles sejam publicados. Mas você é abominável, que ser é você? Não sei se é um homem ou algum tipo de espírito, sei lá o que Você é! Os homens acreditam em espírito, vida após a morte, etc.. Eu não, Eu apenas os deixo viver do modo que acharem melhor desde que respeitem as leis. Não entendo como chegou a ser assim!
– Diferente de Vocês que vivem vigilantes contra homens como eu, simplesmente vivo com coragem e vigilância sobre a minha alma. Assim, minha alma intuitivamente se apercebe, se prepara como uma alma livre. Aqueles que mantêm a vigília como sentinelas da vida observam, analisam e tiram suas próprias conclusões.
– Apenas isso? – indagou a Voz. A princípio achava que você era um simples homem, agora não sei quem é. Você me dá medo!
– Não é apenas isso! – exclamou Bangse. Somados a isso, foram anos de leitura, estudos e muita reflexão em noites de insônia.
– Você não deve ser normal. – Indagou a voz.


                               OUTRO SONHO COM A VOZ

Bangse acordou após algumas horas de sono em que seu corpo se agitou muito. Em seguida, levantou para mais um dia de trabalho e mais uma noite de insônia, com poucas horas de sono.
– O que quer hoje? Se quer julgar-me e condenar-me, faça! – disse a Voz.
– Quem julga e condena é Você! Eu apenas o critico e o abomino.
– Os homens é que nos criaram! Criaram-nos para estabelecermos a ordem entre eles. Criaram-nos para que façamos justiça. Criaram-nos para que os organizemos como sociedade civilizada! E Eu, particularmente, procuro fazer bem o meu papel. – falou a Voz.
– A intenção dos homens foi essa. Porém, Você e os Seus não se contentaram apenas com isso. Vocês quiseram dominar tudo que os cerca. Você e os Seus quiseram tomar posse de tudo e de todos. Por isso, eu lhes digo: Vocês têm o pior dos defeitos, “a incapacidade de fazer aquilo que as pessoas acham que são capazes”.
– Veja só! Julga-nos mais uma vez?
– Não! Estou apenas expondo as minhas verdades. – respondeu Bangse.
– Então a culpa é das pessoas e não nossa! Os humanos devem fazer a parte deles para que as coisas funcionem. Não venha culpar-nos pela incapacidade do homem!
– Mais uma vez se passando por inocente?! Não “vê” o quanto é mau e cruel? Não percebe sua incapacidade, não “vê” o quanto é desnecessário para os seres humanos? – indagou Bangse.
– Você parece com aquele que os antigos chamaram de Jesus Cristo! Você quer acabar conosco. Você quer nos associar com o maior inimigo da igreja! É isso, não é?
– Jesus disse no passado: “Dê a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
A Voz o interrompeu subitamente antes que pudesse completar sua fala:
– É isso! Ele valorizou-nos. Ele foi melhor que você, quando reconheceu nossa importância utilizando dessas palavras. Apesar de não gostar de nós, ele sabia que nossa existência era necessária para a raça humana.
– Eu interpreto as palavras dele, quando diz: “Dê a César o que é de César”, como uma crítica ao poder de Vocês. Isso porque ele sabia que o interessante para Vocês é a posse de tudo que o homem é capaz de adquirir. E, se não lhes fosse dado, a pena seria a pior das piores para os homens naquele momento. Os Seus castigariam os homens tirando-lhes a própria vida. Vocês sempre quiseram utilizar da força que possuem para saquear as pessoas de bem. Você e os Seus constroem a mente humana para temê-los. A crucificação de Jesus Cristo pelos Seus foi para fixar no inconsciente coletivo da população, ao longo da história dos homens, o pensamento: “se os homens não fizerem o que Vocês querem serão punidos cruelmente”. E o pior é que isso é uma verdade! – exclamou Bangse.
– Então o que sugere?  Nosso extermínio. É isso, não é?
– Essa seria a melhor solução, porém há milênios Vocês ocupam a vida dos seres humanos. E não é tão simples assim, talvez decorram alguns milênios até sua extinção.
– Você sabe que muitos morrerão até que isso aconteça e você carregará essa culpa. Será o grande culpado por muitas mortes ao longo da história em nome de uma suposta liberdade.


                        OPOSTOS: BANGSE E A VOZ

Bangse acordou meio tonto, pois dormira poucas horas. Levantou tropeçando nos objetos que se encontravam a sua frente. Eis que chegou a sua residência após mais um dia de trabalho e voltou a dormir depois de algumas horas de insônia.
– Está pronto para assumir a culpa? – indagou a Voz.
– Culpa de quê?
– Você esqueceu que ao longo da história dos homens muitos morrerão em nome de uma suposta liberdade?
– Aos poucos os homens “O” colocaram em suas vidas. Aos poucos os homens deverão acabar com todos do “Seu Espécime”, porque, há milênios, Você e os Seus ocupam a vida dos seres humanos. Há séculos os do Seu Espécime se constituem nos seres humanos como parte deles; demorarão outros milênios para serem totalmente disseminados entre os homens.
– Isso é utopia! – exclamou a Voz. Você sabe que haverá muitas mortes em vão por sua culpa.
– Se eu e Você conseguirmos, ao longo da história dos homens, construir homens pensantes e capazes de serem bons uns com os outros, pessoas de bem, sábias, com conhecimento, capazes de elaborar o extermínio de Vocês num espaço de tempo plausível, talvez em poucos mil anos possamos ter sucesso.
– Você está dizendo-me que eu deveria compartilhar com meu próprio extermínio?! Isso é um absurdo! Viemos para ficar acima de tudo e de todos!
– Pense bem. O que estou propondo é deixar os homens seguirem seu próprio destino; deixe-os viver suas vidas com equilíbrio, sem pressão, sem opressão, sem depressão e sob o comando de suas próprias consciências. Deixe suas consciências serem formadas por seus conhecimentos adquiridos através da liberdade de ser, da liberdade de sentir a liberdade. Quem sabe assim, eles serão mais felizes. – falou Bangse.
– Os homens não nasceram para serem felizes. – disse a Voz, bastante irritada. Os homens nasceram para ter somente instantes de felicidade, apenas o suficiente para satisfazê-los por momentos.
– Entendo perfeitamente o que quer dizer, porém Você não me entendeu.
– Então me explique, pois estou há muito tempo neste pesadelo. – continuou a Voz, mais calma e num tom irônico.
– Livres de um poder tão grande como o Seu e de Seus amigos, os homens poderiam viver melhor, mais tranquilos e desimpedidos de tanto esforço para pagarem os impostos cobrados por Você. Viveriam em comunhão com o próximo sem qualquer tipo de pressão ou opressão, operacionadas por Você e os Seus.
– Você vem novamente com mais uma utopia! – exclamou a Voz. Não percebe que é impossível para os homens viverem sem Nós?
– Os homens sem Você, como disse anteriormente, seriam construídos pelos seus e pelo próprio destino. Poderiam ser construídos por si em comunhão com a paz e o amor, respeitando acima de tudo ao próximo, a si mesmos e à natureza.
– Por si a raça humana já estaria extinta há muitos e muitos anos! Se não fôssemos Nós, como tu mesmo disseste, “Eu e os Meus”, a raça humana estaria banida da face do planeta Terra. É isso que quer?
– Não acredito nisso! Acredito que sem Você os homens seriam livres, sem Você os homens viveriam num mundo privado e bem mais igual.
– A história dos homens contraria as suas últimas palavras. Concorda comigo?
– Isso porque Você e os Seus construíram homens para serem assim. Portanto, quando Você e os Seus deixam de exercer o poder sobre os homens, eles ficam à deriva e lutam, até se matam, buscando o poder para seu grupo para constituir um novo do “Seu Espécime”.
– Isso demonstra que os homens não vivem sem Nós... – afirmou a Voz.
– Isso mostra que Vocês constroem homens para serem Seus escravos. Enquanto Vocês durarem, os homens construídos por Você e pelos Seus estarão sempre buscando não aquilo que realmente querem, mas aquilo que Você e os Seus querem. Assim, eles acreditam que, aliados aos do “Seu Espécime”, estariam sobre os outros homens. Porém, na verdade, eles apenas estariam abaixo de todos os homens, pois, considerando o grau de escravidão, este seria o topo. Isto é, em um paradoxo, o topo, neste caso, é o máximo da servidão, portanto os que estariam abaixo do topo seriam menos escravos. 
– Que maldito ser é você? Como pode ser tão cruel e desprezível em todas as palavras que diz?
– Já lhe disse, sou uma alma livre, sem pátria, sem nação, sem povo, sou apenas igual. – afirmou Bangse.
– Isso não é possível! Você é diferente de todos os homens.
– Não! – exclamou Bangse. Sou igual, pertenço a todas as pátrias, simplesmente porque as pátrias são criações como Você.
– Você é Eu?
– Não! Pelo contrário! Sou seu oposto, pertenço às pessoas e elas a mim; eu respeito todos, todos os indivíduos de todos os espécimes, menos do seu.
E antes que a Voz o interrompesse:
– Para mim, Charles Chaplin representa uma verdadeira oposição aos Seus. Chaplin, sobretudo, era o maior inimigo de Vocês, odiava as ordens impostas pelos Seus: os juízes e suas prisões, a ordem da moral estabelecida, como também a ordem dos lucros, bancos, indústrias, etc. Inclusive a ordem da burguesia e do capital e de seus falsos e infames mitos. Ele mostrava suas ideias claramente em seus filmes. Ao contrário do que muitos pensam e pensavam, ele não era um comunista. Apesar de seus pretensos laços com a Rússia, Chaplin não era patriota nem tampouco queria adaptar-se a qualquer tipo de cidadania, principalmente à norte-americana. Ele era livre. Livre de qualquer pensamento que impusesse qualquer tipo de poder. Chaplin atacou toda a ideologia ocidental, de “boa sociedade”, ele mostrou quem realmente eram Vocês.  Voltava-se sempre para os humildes, demonstrando quanto Você e os Seus são cruéis. Ele demonstra claramente isso nas cenas do filme “Rua do Medo”, quando distribui comida às crianças e atira grãos de milho à sua volta como se houvesse muitas galinhas a quem dar de comer. Tudo isso demonstra sua genialidade como um dos maiores anarquistas que já presenciei.
– Não tente me enrolar com Chaplin! Se eu pudesse tocá-lo... – disse a Voz, um tanto enfurecida. – Você disse que pertence a todas as pátrias e, em seguida, que a pátria é criação minha. Não está sendo claro!
– O que tento dizer-lhe é: Não importa em que país ou local uma pessoa viva, eu sou igual, não quero o poder, não desejo dominar ninguém, não sou nem me sinto superior nem inferior a ninguém. Sou apenas igual, sem fronteiras. Sou apenas um Chaplin mais direto e objetivo; posso demonstrar a Sua ineficiência quando Você e os Seus separam, dividem, distribuem por classes sociais, por status, por raça, etc. Por mim seria tudo diferente, todos teriam as mesmas oportunidades, e, se não tivessem, os mais favorecidos repassariam oportunidades aos que ainda não foram favorecidos.
– Ora! Isso parece mais um discurso político. Por um acaso sairá candidato nas próximas eleições? – indagou a Voz, ironicamente.
– Não tenho essa pretensão. Houve uma época em que acreditava ser este o caminho: homens de bem ocupando cargos do legislativo e executivo para legislarem e executarem a favor dos menos favorecidos. Hoje, acredito que esse é o verdadeiro caminho da total escravidão. É o caminho que somente os medíocres e os mais ambiciosos pretendem. É o caminho que, a meu ver, nenhum filósofo ou intelectual que tenha sabedoria na alma deseja para si.
– Você não passa de um escravo meu e se acha dono da verdade! – exclamou a Voz.
Bangse interrompeu subitamente dizendo:
– De certo meu corpo é Seu escravo, como tenho afirmado, mas minha alma é livre. Mas Você é o maior dos escravos! Tem a posse, o poder, ao mesmo tempo que é escravo de todos os homens. É possuidor de uma alma sem corpo.
– Como ousa? Meu corpo é toda essa imensidão que ocupa parte desse continente.
– Não queira apoderar-se da natureza que não lhe pertence. – disse Bangse.
– É lógico que me pertence! – gritou a Voz. Sou dono de tudo isso e também de você e dos seus espécimes.
– Você se julga um Deus, não é verdade? – indagou Bangse.
– Sou muito mais que um Deus, pelo menos nesse território.
– Aquele ou Aquilo que se julgue o maior porque possui certo poder sofre um poder contrário, que o esmaga em igual proporção.
– Que filosofia barata! – exclamou a Voz.
– Apenas o equilíbrio justifica a capacidade, e não o poder maior. – falou Bangse, que tinha conhecimentos sobre o equilíbrio.
– Se eu sofro um poder de igual proporção, então estou em equilíbrio. – afirmou a Voz, dando muitas gargalhadas.
– Você é um tolo! Não passa de uma Voz na imensidão do vazio e da escuridão. Jamais compreenderia o que é o real equilíbrio. No planeta Terra, tudo gira em torno do equilíbrio. Tanto a natureza quanto os astros estão em total equilíbrio, tanto o amor quanto o ódio estão em harmonia.
– Isso prova que eu existo: tenho uma alma, possuo um corpo, que é o grande território, e estou em equilíbrio com os homens. Meu território gira em equilíbrio com o planeta Terra, este é o meu corpo. Minha alma está nas leis, no meu poder sobre os homens. Não é certo? Desta vez eu peguei você!
– Você pode caminhar? – perguntou Bangse. Pode manusear um objeto ou senti-lo? Você tem um coração que pulsa, bate e vibra com as emoções? Pode amar ou sofrer por amor? Você pensa no passado e planeja seu futuro com emoção? Sente o cheiro de uma flor ou da terra molhada? Você pode segurar a mão de um filho ou da pessoa amada e dizer que a ama? Por isso Lhe digo: Você é apenas o filho dos homens! O filho cruel, mal agradecido que deseja matar os próprios pais.
Perplexa, a Voz mais uma vez interrompeu Bangse:
– Você é o mais injusto dos injustos! Comecei como filho; como já disse, fui criado pelos homens. Hoje sou o pai dos homens, e não o filho. Eu sou o bem e faço de tudo para que os homens vivam bem.
 – Tomara fosse assim! Você é o mal que deve ser podado pela raiz. Você deve ser banido da face da Terra por querer ocupar um lugar divino que não lhe pertence.  Não merece o destaque que tem e nem tampouco o cargo que ocupa.


                                   BANGSE E O ESTADO
                                  
Com um solavanco Bangse acordou, ao ouvir o seu celular tocando. Preparou-se então para mais um dia de trabalho e uma longa noite de insônia até que viesse o adormecer.
– Hoje não estou com paciência para conversar com você. – disse a Voz. Você é desagradável demais!
– Você e os Seus têm muito a dizer para os homens. Pela crueldade que cometeram contra homens de bem.
– Que satisfações nós lhes devemos?
– Por que Sócrates foi condenado a tomar cicuta? Por que Cristo foi pregado na cruz? Por que Giordano Bruno morreu na fogueira? Por que Wilhelm Reich§ foi para a prisão? Por que Freud foi vaiado em Viena? Por que o nosso prestigiado Monteiro Lobato foi para a prisão?
– Por quê? – perguntou a Voz. Responda-me você.
– Simplesmente porque as ideias deles se opunham contra Sua visão e a dos Seus.
– Não invente histórias! Vocês constroem sua própria sepultura e depois vêm culpar a Nós.
– Você ainda presenciará o novo paradigma social. Tenho certeza de que isso um dia acontecerá. – falou Bangse. Os homens ainda hão de implantar uma nova geração capaz de perceber quanto Você e os Seus são ineficientes e cruéis com a humanidade.
– Lá vem você com a mesmíssima conversa. Cruel é seu Deus que permite que vocês sofram e nada faz, não Eu! Esqueceu-se que o filho de Deus disse: “Esse não é meu reino”. Isso quer dizer que ele se considerava um rei e poderia salvá-los dos do Meu Espécime. Você falou que é igual a todos; ele não se considerava igual, e sim um ser superior. Um Rei!
– Quando Cristo afirmou que aquele não era seu reino, quis dizer que não pertencia ao Seu mundo do “Ter” e sim ao mundo do “Ser”. Como igual, ele jamais poderia pertencer ao Reino dos Seus, e sim do reino dos iguais, do reino onde não há um rei. Assim, ele assumiu ser mais que um rei, assumiu ser um irmão, “um igual”, “um semelhante”, nem maior nem menor, apenas alguém.
– Onde você encontra tantas respostas?
Antes mesmo que Bangse respondesse, o Estado continuou:
– Cristo nunca quis ser igual! Até porque ele se achava um ser superior em bondade e perfeição.
– Não! Ele queria que os homens entendessem que a bondade construída na alma é uma evolução do próprio homem. Ser humano é a capacidade de compreensão. Para que os homens da época o entendessem, o único argumento era mostrar o quanto um homem poderia aproximar-se de um Deus. Assim, ele usou as palavras de modo que os homens compreendessem a própria origem da alma.
– Mais uma vez, não sei onde arruma tantas respostas! Mas, pelo que entendi, a origem da alma estaria em Deus e não em Mim. Mais uma vez suas palavras diferem de outras anteriores; afinal, a alma é construída por Mim ou originada em um Deus? Decida-se!
– A alma no sentido da essência da consciência humana é originada em Deus, mas construída em sua moral, ética, leis, crueldade, etc. por Vocês.

 E A DISCUSSÃO CONTINUA: AS IDEIAS DE PLOTINO  

Mais uma vez, a Voz interrompeu Bangse:
– Estou começando a compreendê-lo melhor! Você não passa de um quadro tentando passar-se pelo pintor, de uma obra querendo passar-se pelo criador.
– Você, por ser apenas uma alma sem corpo, nunca terá a faculdade para compreender a natureza íntima de Deus, nunca poderá ter idéia de algumas de suas perfeições.
– Já lhe disse que meu corpo é todo esse território. Não venha dizer-me que não possuo um corpo.
– Nunca você entenderá o que é realmente um corpo, como poucos homens compreenderão a divindade de Deus. – disse Bangse. Deus existe em cada um dos seres humanos.
– Seu ignorante! Você por vezes se passa por um puro panteísta§ e outras por um mercenário protestante.
- Para mostrar-lhe que não sou tão ignorante quanto pensa, eu lhe direi quais as formas de panteísmo: Hilozoísta, o divino é imanente do mundo e se caracteriza como elemento básico do mundo que empresta mudança e movimento à sua totalidade; Imanentista, Deus faz parte do mundo e é imanente nele; Monista absolutista, Deus é tanto absoluto quanto idêntico com o mundo; Monista relativista, o mundo é real e mutável. Sendo assim, Deus é imutável e não é afetado pelo mundo; Acósmico, Deus é absoluto e constitui a totalidade da realidade. Acredito que estou mais para neoplatônico. Segundo o neoplatonismo, Deus é absoluto em todos os aspectos,  removido do mundo transcendente, é uma forma de monismo§ idealista. Porém, um monismo um tanto absolutista.
– Gosto dos conceitos, porém são muito abstratos. – disse a Voz.
– Segundo a Bíblia, o panteísmo é deficiente por causa de duas considerações: a primeira é que nega a transcendência de Deus e a segunda defende Sua imanência radical. Já a Bíblia apresenta um equilíbrio, em que Deus está ativo na História e na sua criação, mas não é idêntico a elas.
– Eu sei muito bem o que é Neoplatônico. E sei que não acreditavam no mal e negavam que este pudesse ter sua real existência no mundo. Você fala do mal a toda hora e sempre me acusa como sendo o mal. Os neoplatonistas diziam que algumas coisas eram menos perfeitas que outras. Assim, o que você chama de mal os neoplatônicos chamam de imperfeição, de ausência de bem. Para eles, a perfeição e a felicidade eram a mesma coisa e poderiam ser adquiridas pela devoção filosófica. Se assim fosse, a felicidade dos homens não necessitaria a espera de uma pós-vida, como diz a doutrina cristã e tantas outras. E agora o que tem a me dizer?
– Já que você voltou a esse assunto, continuo achando-o apenas um desnecessário à humanidade. Se não quer que o chame de mal, então o chamarei de ser imperfeito. O que acha?
– Seu inseto desprezível! Quer ficar na filosofia, tudo bem! O que eu acho é que seu Deus não passa de uma criação dos homens para justificarem seus erros. Deus pertence apenas ao domínio das ideias e não tem base material. Deus é como uma obra de arte, só que, em vez de ser uma representação figurativa, é uma representação do consciente coletivo dos humanos em que as formas e os conteúdos são características de diferentes culturas em diversas épocas históricas.
– Para nós humanos é difícil compreender a existência de Deus, imagino para Você! – exclamou Bangse. Deus está acima de qualquer compreensão. Sei que não podemos limitar Deus apenas como origem de tudo que já existe.
– Se sabe, por que limita? – disse a Voz, ao mesmo tempo que gargalhava.
– Sei que não posso personificá-lo, como muitos o fazem ou fizeram. Não posso limitá-lo a uma simples compreensão ou mesmo negar sua existência, o que seria um grande erro. Mas posso viajar além do tempo e imaginar-me e contemplar-me com o divino. Isso me permite citar a frase de Plotino§: "A aspiração do homem não deveria limitar-se a não ser culpado, mas a ser Deus”.  A frase de que mais gosto de Plotino são suas últimas palavras, ditas ao médico Eustóquio: "Procurai sempre conjugar o divino que há em vós com o divino que há no universo".
A Voz deu uma grande e longa gargalhada e disse:
– Afinal! Você é Platônico ou Plotino?
– Plotino fez a seguinte analogia: "Imagine uma enorme fogueira crepitando no meio da noite. Do meio do fogo saltam centelhas em todas as direções. Num amplo círculo ao redor do fogo a noite é iluminada, e a alguns quilômetros de distância ainda é possível ver o leve brilho desta fogueira. À medida que nos afastamos, a fogueira vai-se transformando num minúsculo ponto de luz, como uma lanterna fraca na noite. E se nos afastarmos mais ainda, chegaremos a um ponto em que a luz do fogo não mais consegue  alcançar-nos. Em algum lugar os raios luminosos se perdem na noite e quanto mais estiver escuro menos enxergaremos. Nesse momento, contornos e sombras deixam de existir. Agora imagine a realidade como sendo esta enorme fogueira. O que arde é Deus – e as trevas que estão fora é a matéria fria, onde a luz está fraca, da qual são feitos homens e animais. Junto a Deus estão as ideias eternas, as causas de todas as criaturas. Sobretudo, a alma humana é uma 'centelha do fogo'. Mas por toda parte na natureza aparece um pouco desta luz divina. Podemos vê-la em todos os seres vivos; sim, até mesmo uma rosa ou uma campânula possuem um brilho divino. No ponto mais distante do Deus vivo está a matéria inanimada”.
– Assim, para Plotino, tudo que vemos tem um pouco de mistério de Deus. Para ele, podemos ver o brilho dessa coisa num girassol ou numa papoula. Percebe-se mais desse insondável mistério numa borboleta quando pousa em cima de um galho ou em um peixe no aquário. – continuou Bangse. – Mas o ponto mais próximo em que encontramos Deus, segundo Plotino, é dentro de nossa própria alma. “Apenas dentro da alma é que podemos reunir-nos com o grande mistério da vida”. Isso me faz lembrar as imagens remetidas ao mito da caverna de Platão. Porém, este filósofo é dualista. Platão faz oposição a Plotino pelo dualismo entre o espírito e a matéria. Plotino nos aponta para a realidade de que o “isto” está também ligado ao “aquilo” (como também falava Buda), que o universo é uma imensa rede de relações onde tudo tem sua razão de ser no conjunto, no “holos”. Tudo está ligado a tudo, e tudo é “Um”, pois tudo concorre para o andamento da obra de Deus. Até mesmo as sombras têm uma tênue parte dessa "Unidade".

  A VOZ: TREVA DOS HOMENS

– Eu conheço o mito da caverna! – exclamou a Voz. Platão em seu dialogo “A República” diz que Sócrates falou: “Imaginemos homens que vivam numa caverna cuja entrada se abre para a luz em toda a sua largura, com um amplo saguão de acesso. Imaginemos que essa caverna seja habitada, e seus habitantes tenham as pernas e o pescoço amarrados de tal modo que não possam mudar de posição e tenham de olhar apenas para o fundo da caverna, onde há uma parede. Suponhamos ainda que, bem em frente da entrada da caverna, exista um pequeno muro da altura de um homem e que, por trás desse muro, se movam homens carregando sobre os ombros estátuas trabalhadas em pedra e madeira, representando os mais diversos tipos de coisas. Suponhamos também que, por lá, no alto, brilhe o sol. Finalmente, imaginemos que a caverna produza ecos e que os homens que passam por trás do muro estejam falando de modo que suas vozes ecoem no fundo da caverna”.
Exatamente isso!  exclamou Bangse, gostando do discurso da Voz. Sócrates, ao dizer esse mito, certamente sabia que os habitantes da caverna nada poderiam ver além das sombras das pequenas estátuas projetadas no fundo da caverna e ouviriam apenas o eco das vozes. Porém, por nunca terem visto outra coisa, eles acreditariam que aquelas sombras, que eram cópias imperfeitas de objetos reais, eram a única e verdadeira realidade. E que o eco das vozes seria o som real das vozes emitidas pelas sombras. Supondo que um daqueles habitantes consiga soltar-se das correntes que o prendem, ao voltar-se para a luz começaria a subir até a entrada da caverna. Desse modo, meio que perdido, ele começaria a se habituar à nova visão com a qual se deparava. Habituando os olhos e os ouvidos, ele veria as estatuetas moverem-se por sobre o muro e, após formular inúmeras hipóteses, por fim compreenderia que elas possuem detalhes mas não seria possível vê-las na sua antiga posição na caverna. Assim, ele compreenderia que a luz do sol refletida em todas as coisas seria a realidade de todas as outras coisas.
Se ele fosse como você, provavelmente voltaria à caverna para libertar seus amigos da ignorância e das correntes que os prendiam. Porém, ao voltar, todos da caverna o achariam louco por não acreditar na realidade que eles pensam ser a verdadeira (a realidade das sombras). Portanto, eles o sentenciariam colocando-o como indigno, desprezando-o. É isso que você quer, meu caro Bangse?
Muitos dos seres humanos fizeram assim. Veja Cristo!
Lá vem você com seu Cristo e seu Deus. Nunca conseguirei entender esse seu Deus! – disse a Voz.
Bangse voltou a Plotino:
– Numa extremidade, Plotino chamava o Uno de Deus. Na outra extremidade, estaria aquilo que ele mencionava de reino das sombras, aonde apenas uma fração ínfima da luz divina chegava. Ele usava essas metáforas apenas como uma figuração didática quando lecionava. Dizia que as trevas não tinham uma existência concreta, era apenas a ausência momentânea da Luz Divina.
– O que quer dizer isso? – perguntou a Voz.
– Para mim, tudo que eles diziam da escuridão, das sombras, encaixa-se a Você.
– Você é muito mais louco que eles! Não sou psicólogo, mas acredito que seu problema é ressentimento reprimido. Você não passa de um infeliz, um fracassado, e quer culpar-me por isso? Não! Isso eu não aceito. – falou a Voz.
– Para mim, ressentimento é uma mágoa introjetada, algo que sufoca a alma, algo que não podemos colocar para fora em desabafo. Talvez, até fiquei ressentido com você. Porém, agora, não posso chamar isto de ressentimento, pois minhas palavras serão públicas. Qualquer pessoa que queira terá acesso a estas palavras.
– Mais uma vez blasfêmia! Eu sou o maior poder e não admito que essas palavras saiam desses escritos. Não se atreva.
– Eu vou um pouco mais além e digo: “Você é a treva dos Homens, a ausência total de luz”; “Você é a sombra que serve o Homem ao mesmo tempo que é o abismo que o constrói”. “Você é a caverna de Platão que aprisiona e submete o homem ao crepúsculo das correntes”. “Você é a matéria fria e obscura que remete o homem à ignorância nas trevas”. “Você e os Seus são os piores dos piores, são os parasitas do homem que consomem toda sua possível luz.” “Sem Você, a felicidade de um homem contagiaria a todos, impregnando-os de humanidade, de sentimentos elevados. Teríamos um homem possuidor de magnanimidade, capaz de sentir a dor, suportá-la e eliminá-la, porém nunca a guardaria em seu coração. Um homem capaz de dividir a felicidade, compartilhando-a com o outro e com a natureza. Um homem capaz de subjugar sua alma, incluindo em si um sentimento de benevolência, de paz interior, de serenidade, de conciliação com tudo aquilo que o cerca. Um homem capaz de amar a si, ao outro, a natureza e aos outros”.


  BANGSE: O EQUILÍBRIO E A ALMA

            Bangse acordou mais uma vez após uma noite de insônia, e seus pensamentos
voltaram.
            – Que aflição nas pernas! Não tenho dor, pareço bem, mas não consigo dormir.
            Em seguida, levantou, foi até a cozinha, bebeu um copo com água e continuou:         – Devo ter a tal de síndrome das pernas inquietas§. – disse, enquanto olhava para um pote de vidro vazio. – Não há nada neste pote, se eu tirar todo ar, bactéria etc., deixarei somente o vácuo§. No momento em que quebrasse o vidro, o nada deste pote absorveria o tudo a seu redor. Seu vazio§seria preenchido por toda matéria à sua volta.
            Depois, caminhou até o banheiro olhando no espelho.
            – No espelho há meu reflexo, mas há um vazio no espelho, apenas o reflexo. O que tem a ver o pote com o espelho? Qual a relação entre os dois? Ambos não representam a realidade. Não há espaço no espelho, apenas o reflexo. No vácuo do pote, em seu vazio, há espaço. Há um tempo no reflexo do espelho, mas não há tempo no vazio. Kant§ diz que podemos conhecer apenas os fenômenos, porém nunca podemos conhecer, “nem a posteriori nem a priori§, as coisas como são em si mesmas. Ele mesmo pergunta: “O que podemos conhecer?”
Pensativo, Bangse não conseguiu pegar no sono; enquanto massageava as pernas, continuou:
– Essa é exatamente a pergunta que orienta a discussão da Crítica da razão pura. Kant responde que podemos conhecer apenas os fenômenos das coisas, que estamos limitados pelas formas de conhecer a priori as intuições de espaço e tempo, e que conhecer a essência das coisas é impossível. Logo, segundo ele, não podemos conhecer a coisa em si.

Entre constantes pensamentos, Bangse dormiu algumas horas antes de despertar para lecionar.
Mais uma noite chegou. Bangse deitou-se no mesmo horário como era seu costume. Aproximadamente duas horas depois, pegou no sono, mas não por muito tempo.
– Essa inquietação nas pernas me acordou mais uma vez. Não é algo psicológico; se fosse, acho que eu deveria estar acordado para senti-la. É engraçado a inquietação me despertar. Que chato! Estava dormindo tão gostoso. Deixe-me olhar as horas; de agora em diante anotarei as horas em que acordo durante a noite. Demoro a dormir e quando durmo acordo cansado, atordoado e não consigo ficar na cama. Isso é brincadeira! Meu horário de acordar é às cinco horas e trinta minutos; deito para dormir entre dez e dez e meia. Teoricamente durmo sete horas. Porém, na prática, acredito que tenha dormido em torno de três a quatro horas. É pouco! O que me perturba não é o dormir, e sim a inquietação nas pernas. Costumo acordar dois minutos antes de o celular despertar. Quando ele me acorda, imediatamente interrompo sua música irritante e vou ao banho.
            Porém, Bangse se levantou durante a noite com mais uma crise de inquietação nas pernas e foi direto ao espelho.
– Estou ficando velho. – Caminhou em direção à cozinha do apartamento e começou a olhar o pote de vidro vazio – Por que sou tão fascinado pelo vazio, pelo nada? Abriu o pote, girando a tampa para um lado e para o outro, no sentido horário e anti-horário; depois fechou e abriu-o novamente.

 – Heidegger§, Sartre§, Schopenhauer§, Nietzsche§, como eram sensacionais em seus pensamentos filosóficos! Há pessoas famosas na pintura como Leonardo Da Vinci§. Naquela época, Leonardo já estudava os cadáveres, dissecando-os, e inventou aquela parafernália de máquinas engenhosas. Acredito que o sucesso de suas pinturas estava no equilíbrio. Quando vejo uma réplica de suas pinturas, noto a ideia central, as figuras dominam o meio da tela, tudo parece proporcional.
– Isso me faz lembrar Mozart§: em suas músicas há um equilíbrio no vai e vem das notas. Ele sempre consegue achar mais uma nota; quando você acha que não há mais o que modificar na sequência de seu arranjo musical, engana-se, nele jorrava inspiração espontânea. Pensando dessa forma parece-me que a vontade de potência aparece em um tipo de jogo de forças no conjunto de sua obra. Seus quintetos até parecem uma explosão de energia, de forças turbilhonando em todos os sentidos. Neste sentido, onde estaria o vazio, o nada? Será que há um equilíbrio na vontade de potência nietzschiano? Tentemos pensar de um modo simples: numa luta de cabo de guerra§, quando as duas equipes se igualam em força, há um empate. A tensão no meio equivale à soma das duas forças. Ali está o equilíbrio, o ponto zero, o nada. Se dobrarmos a corda e a colocarmos em volta de um mastro e os dois grupos continuarem puxando, a força exercida pelo mastro será igual à soma dos dois grupos, imagine fazendo isso algumas vezes! Teríamos muitos pontos de equilíbrio, pontos zero, pontos no nada distribuídos nas pontas. A música de Mozart pertenceria a um vazio cercado de forças. É como o pote da cozinha (imaginando que tivesse vácuo dentro), o vidro que cerca o vácuo é a inspiração para as divinas melodias. Isso me permite pensar que é na imensidão do vazio que se encontram as estrelas. Parece-me uma frase um tanto poética e pouco filosófica, mas justificaria um equilíbrio na vontade de potência nietzschiana, daria sentido ao vazio na complexa harmonia musical de Mozart. – Em seguida, Bangse pegou no sono.
            Eis que surgiu mais um amanhecer, seguido de longa noite de insônia.
– Não adianta, tenho que sair da cama. – Olhos cansados, Bangse movimentou um pouco as pernas, em seguida fez algumas massagens. – Vou ler um pouco de Schopenhauer. É incrível como ele analisa a estética transcendental de Kant.
 Após ler por aproximadamente duas horas, dirigiu-se até a cozinha, bebeu um pouco de água e voltou a olhar o pote vazio:
– Segundo Schopenhauer em sua analise a Kant, o espaço e o tempo constituem as formas de nosso intelecto, ou melhor, formas que não foram adquiridas pelas vias da experiência, não vindas de fora, mas são partes presentes de nosso intelecto, do nosso ser. Esta me parece a crítica da razão pura de Kant, quando ele afirma que nosso conhecimento possui duas fontes: a receptividade das impressões e a espontaneidade dos conceitos. A primeira seria a capacidade de receber representações e a segunda, de conhecer um objeto. Isso me lembra Vygotsky§ com sua teoria do desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo histórico-social, enfatizando o papel da linguagem. A aquisição do conhecimento, segundo Vygotsky, viria da interação do sujeito com o meio, das relações entre o pensamento e a linguagem. É certo que ele propõe uma visão de formação das funções psíquicas superiores como “internalização” mediada pela cultura. Porém, essa concepção fundamenta sua ideia em relação às funções psicológicas, da linguagem e da memória, mas há algo maior, o cérebro humano, um imenso vazio que permite a construção do indivíduo humano a partir do nada. Não há um instinto! Hipoteticamente a consciência é um instinto.
– Mas o que é a consciência? A alma, não no sentido religioso, e sim, como diziam os gregos da “psiké”, a alma como consciência do ser humano, como identidade do sujeito. Conforme dizia Platão, em sua obra Fédon, uma alma que não se limita a ser entendida como o princípio da vida, mas como o princípio do conhecimento; como substância independente do corpo, eterna. Uma alma que pertença ao mundo das ideias. Platão afirma que as ideias têm uma realidade objetiva substancial. O corpo platônico pertence ao mundo sensível ou físico, sendo este mutável; a alma é eterna, aspira a libertar-se dos corpos e retornar ao mundo das ideias. Platão acreditava na reencarnação das almas.
Bangse balançou a cabeça e segurou com uma das mãos o queixo.
– Incrível a observação de Platão, dividindo a alma em três partes: A “alma racional” seria uma alma superior que se destina ao conhecimento das ideias, localiza-se na cabeça e tem uma virtude principal, a sabedoria. A “alma irascível”, associada à vontade, dando ao homem o ânimo necessário para enfrentar os problemas e os conflitos, localiza-se no peito e tem uma virtude, a força. E, por fim, a “alma concupiscente” seria a mais baixa de todas, constituída pelos desejos e necessidades básicas, localiza-se no ventre e tem como virtude a moderação. Acredito que, se assim fosse, Platão conseguiu um equilíbrio entre as três “almas”. Um equilíbrio que complementa o homem como um todo.
            Após mais uma noite de reflexão, Bangse caiu no sono.
           
                                  

                                         A PAZ E O “CONFLITO REPULSIVO”

No outro dia, como de costume, Bangse foi para cama entre dez e dez e trinta. Pensativo, refletindo sobre seu dia, rolou para um lado e para o outro até adormecer. Pouco mais de duas horas se passaram e a inquietação nas pernas fez com que acordasse.
            – Deixe-me levantar senão explodirei nesta cama.
Foi até a sala, sentou no sofá, ligou o aparelho de televisão enquanto massageava as pernas tentando tirar o incômodo. Minutos depois, desligou a TV e pôs-se a pensar:
– O que mantém a saúde do corpo é o equilíbrio, é a situação zero. Se eu tomar  determinada vitamina mais do que necessito, certamente me causará um problema de saúde.
A seguir, Bangse ligou a TV novamente por uns dois minutos e desligou-a dando continuação ao seu pensamento:
 – Quando minha pressão arterial aumenta ou diminui, com certeza causará danos a meu organismo. Se minha alimentação é inadequada ao meu ritmo de vida ou vice-versa, meu corpo responderá em igual proporção; um desequilíbrio causando o excesso elevará a gordura em meu corpo, a escassez do alimento me levará à desnutrição. Quando penso acima na mesma proporção é sinal de equilíbrio, logo, num paradoxo, a resposta do corpo é equilibrada para mais ou para menos. Isso me permite dizer que há um espaço vazio que antecede o equilíbrio para que o organismo humano se autoequilibre em seu desequilíbrio§.
            Ligou mais uma vez o aparelho de televisão, tentou prestar atenção no programa exibido em determinado canal mas notou que os pensamentos retornavam.
 – Vou desligar novamente a TV. Não consigo prestar atenção em nenhum programa. Logo deu continuidade a sua reflexão: – Para mim o corpo humano é o equilíbrio entre o macro e o micro. Sob o ponto de vista biológico, fisiológico, o macro é o conjunto de músculos, ossos, órgãos internos e externos, até mesmo os cinco sentidos, etc. No sentido sociológico, o macro é a interação do corpo com a natureza, com o conjunto da vida em si. Sob o ponto de vista biológico e fisiológico, o micro entraria como a neuroanatomia.
Bangse caminhou até sua estante de livros e pegou um livro de neuroanatomia, que já havia lido algumas vezes. Andou novamente até o sofá e começou a ler.
Após aproximadamente uma hora e meia, largou o livro ao lado e pôs-se a pensar:
– Acredito que a complexidade do sistema nervoso, da bioquímica, da micro-anatomia constitui o individuo como único. Isso não quer dizer que a macro não constitui tal característica, porém – olhou para o livro, lembrando o que lera na primeira pagina, pegou o livro e leu em tom baixo: – é o “sistema nervoso que coordena as atividades do organismo; integra sensações e ideias, conjuga fenômenos da consciência; é ele que adapta o organismo às condições de momento. Ele é formado por elementos altamente diferenciados em excitabilidade e condutividade, as células nervosas, e por diferentes elementos de sustentação e de função trófica§ que, em conjunto, constituem a neurologia§”.
– Muito bem, o que podemos pensar da microssociologia? Como poderia enquadrá-la neste momento de reflexão? Sei que a microssociologia lida com as práticas discursivas sob uma perspectiva interacional, isso é o que entendi de Simmel§. Ele é feliz quando na análise dos fenômenos no nível microssociedade desenvolve a tradição conhecida como formalismo, que estabelece como prioridade os estudos das formas. Esse sociólogo distingue muito bem as formas e os conteúdos. Segundo Simmel, é a partir do estudo das formas que podemos entender o funcionamento da vida social. Ele encontrou aqui um ponto de equilíbrio. Isto me permite dizer que o homem inteiro (social, alma, corpo, grupo, ética, moral, religião, etc.), em todo seu ser, não está isento da vontade de potência. Porém, é no âmago do vazio, do seu equilíbrio, é que se encontra a paz internalizada em sua plenitude. É em seu modo de ser que a vida lhe é dada. Dada não no sentido de doação, de merecimento, e sim no sentido de equilíbrio. Um exemplo: se eu chutar uma pedra, dependendo do tamanho da pedra, meu pé dói e a pedra rola; se eu não chutar o nada permanece, o equilíbrio se mantém. A pedra continua no lugar e meu pé, “são e salvo”.
Bangse começou a pegar no sono, mas não quis parar de reformular sua ideia.
– Está me dando sono, mas não posso parar agora. Porém, quem seria este homem? Seria o super-homem nietzschiano? Não! Seria exatamente o oposto: um sujeito nem muito bom, nem muito ruim; não muito feliz, nem tampouco infeliz. Seria um sujeito com equilíbrio interior: um sujeito que dose e misture nas proporções certas, conscientemente, seu equilíbrio interior entre o bem e o mal, entre o justo e o injusto. Um sujeito que peça licença antes de passar, para que a licença lhe seja dada. Um sujeito que peça desculpas, para que seja desculpado. Um sujeito que dá licença, que desculpa. Isso não é religião, é apenas um modo de ser que gera o equilíbrio entre os homens. A harmonia, a paz entre os homens, situa-se exatamente no equilíbrio.
Bangse ergueu-se, mexeu um pouco as pernas, agachou e levantou ao mesmo tempo em que seus pensamentos continuaram:
– Quando a vontade de potência vem à tona, o poder, as forças, as quais querem sobressair sobre as outras, geram o que vou denominar agora como um “conflito repulsivo”. Neste, as guerras, as lutas de classes, o racismo, o preconceito, a violência exacerbada, etc. incomodam um modo de ser equilibrado. A perda, a derrota, não seria apenas a perda e a derrota, seria a dor. Uma dor que causa doenças somáticas em qualquer tipo de homem. O conflito balanceado, harmonioso num gráfico que sobe e desce, é bem-vindo. Assim, esse conflito se encaixa nas músicas de Mozart, se encaixa na pintura de Leonardo Da Vinci. A paz necessita do conflito. A paz não é docilidade, mas também não é perversidade. A paz está em intersecção com o conflito, mas não com o “conflito repulsivo”. A paz e o conflito se cortam em um plano de equilíbrio. A paz tanto pertence à alma em si quanto à sociedade em si. Elas se cortam e se conjugam como a alma com o corpo. A alma equilibrada dá equilíbrio ao corpo. O corpo equilibrado é um corpo são. O homem equilibrado equilibra aqueles que o cercam. Uma sociedade equilibrada leva paz e harmonia a todos como semelhantes, como iguais, como seres humanos. Uma sociedade equilibrada mantém a natureza equilibrada. A natureza equilibrada retribui dando equilíbrio à alma.
Bangse ouviu o despertar de seu celular; notou que praticamente não havia dormido a noite toda e correu para o banho. No final da tarde, voltou cansado para casa  e tirou um cochilo de duas horas.
            Ao acordar, resolveu comer um lanche, como era seu costume. Ele não gostava de jantar; tinha o hábito de comer assistindo aos telejornais ou programas de animais ou aos que mostravam outras culturas.
           
                          BANGSE E O “Qi PLENO”

No dia seguinte, Bangse foi dormir mais cedo, às nove e meia. Porém, quando era uma hora da madrugada, acordou com suas inquietações nas pernas.
– Hoje não vou levantar, massagearei minhas pernas aqui. E depois de um tempo: – Não aguento! Tenho que me levantar.
Dirigiu-se ao espelho e parou. Pensando que seriam apenas alguns instantes em frente ao espelho, acabou por ficar mais de três horas, ali, parado em pé.
Nós somos aquilo que fizemos, Nós colhemos aquilo que plantamos. Plantem a guerra e colherão a guerra. Plantem a paz e colherão a paz. Acredito que essa é a forma certa de pensarmos. Se é que existe uma forma certa de pensarmos! As palavras paz, o nada, o equilíbrio são sinônimos. Elas se equivalem: há uma harmonia nelas, há um equilíbrio nelas.
Bangse começou a rir sozinho e continuou:
– Espero não estar sendo “Búdico” neste momento. Pensei nessa palavra no sentido de Budismo. Isso me faz refletir sobre Schopenhauer; afinal foi ele quem introduziu o Budismo e o pensamento indiano na metafísica alemã. Conhecido por seu pessimismo exacerbado, entendia o Budismo como uma confirmação dessa visão. Ele influenciou fortemente o pensamento de Nietzsche. Talvez, ele não tenha percebido que o nada nada mais é que o equilíbrio, a paz. Não enxerguemos isso como budista, kardecista, ou mesmo pertencendo a qualquer outra religião. Para vencer a vontade humana e ordenar a tempestade das emoções humanas e a turbulência da consciência, da alma, da psique, do intelecto humano, é necessário o equilíbrio. O equilíbrio é a força da vida. Falar em força parece-me nietzschiano; não acho outra palavra para substituir  força. Mas acho que a palavra essência me cai melhor. Se eu unir as duas palavras, creio que flui melhor: “O equilíbrio é a forçaessência da vida”, – entendendo força como toda ação, energia, poder, causa e efeito capaz de produzir alteração na forma ou movimento de um corpo em equilíbrio, associada à essência, aquilo que constitui a natureza de uma coisa, do ser, da substância. Acredito que há uma harmonia real nessas duas palavras. Ela sintetiza bem a minha ideia do nada, de uma energia plena em paradoxo: sem energia. Darei um nome para forçaessência, chamarei de “Qi Pleno”.  Mas não quero dizer que “Qi§” seja uma abreviação de Quociente de inteligência. Isso porque, na sua tradicional forma, o “Qi” no ideograma chinês frequentemente é traduzido como “ar”, “respiração”. Sua imagem é a imagem do vapor subindo do arroz. Agora que dei esse nome tenho que defini-lo. Deixe-me ver!
Bangse parou certo tempo no vazio e concluiu:
– “Todos os meus pensamentos conscientes e inconscientes, todo emaranhado das relações, toda vontade de potência harmoniosamente associada com ‘forçaessência’§natural, biológica, física, sociológica, existencial, matéria e não matéria, ilusão; do big-bang ao big-bang em seu infinito, big-bang ao big-bang promulgados§ com o eu em absoluto equilíbrio” §. Creio que consegui explicar.
– Não vejo clareza em suas palavras! – exclamou o narrador. Que homem é esse, ou melhor, quem é assim? Como agir nesse absoluto equilíbrio, no “Qi Pleno”?
– Um pescador, ao passar seus conhecimentos aos mais jovens, vive em equilíbrio; porém, quando ele tem a humildade em aceitar o ensinamento de um jovem, o qual trouxe nova tecnologia à pesca favorecendo a comunidade, age em “Qi Pleno”. E quando ele processa toda informação, aceita, pratica e depois descobre outra forma, juntando seus conhecimentos com a nova tecnologia que favoreça ainda mais a comunidade, transmitindo ao outro o que acabou de descobrir; esse homem é “Qi Pleno”.          
– E daí? – indagou o narrador.
– O “Qi Pleno”, na prática, é aceitar as mudanças, transformar-se e ser transformado, é doar e permitir a doação do outro. É expor sua opinião, aceitar a do outro e transformar tudo naquilo que acredita. É viver em harmonia com a vida, sem ser o dono da verdade, nem tampouco se achar inferior aos mais belos e grandes homens que a humanidade viu e verá. É admirar os grandes homens sem medo de expor sua opinião ao mesmo tempo que aprende com eles a autoconhecer-se e conhecer a vida em si. É respeitar-se, filtrar-se, expor-se; é transgredir, ir além do que é permitido, e simultaneamente receber com agrado os ensinamentos, seja de felicidade seja de tristeza, que estão por vir. É desbastar a saliência, procurando a melhor forma de viver consigo mesmo, com o outro e com a natureza.      
Bangse continuou fixo ao espelho, totalmente fora do ambiente. Isto é, ele não se via no espelho, apenas pensava, num profundo transe consciente de seus pensamentos.        
– Viver apenas no consciente seria impossível, viver no inconsciente seria loucura. As forças da natureza buscam sobressair umas às outras, mas, no fim, elas acabam resistindo valorosamente às tempestades da existência até caírem no vazio. É no vazio do pote que a essência do equilíbrio não se submete a qualquer tipo de força. Mas, em sua refinada profundeza, quando o explodirmos, seu vazio suavemente penetra em tudo, entra em todas as forças, ao mesmo tempo em que é consumido por elas. As modificações existentes após penetrarmos o vazio são a chave mestra do ciclo de toda existência.
– Passando toda essa parafernália de palavras para o cotidiano das forças biológicas, físicas, naturais, animais e humanas, podemos traduzir que as forças possuem um desejo (vontade de potência), aprisionado no tempo e no espaço; por outro lado, o vazio, o nada, é livre. Livre em sua expansão, livre do tempo e do espaço, não é prisioneiro da lei da mortalidade. No vazio há espaço para todos, há mais vazio no universo que todas as forças possíveis e imaginárias. Se há um Deus, ele situa-se, num paradoxo, no vazio, no nada da existência.
Bangse retornou a si, percebendo seu corpo em frente ao espelho.
– Nossa! Que horas são?
Foi para o quarto e, pegando o celular, olhou as horas. Notou então que ali ficara por mais de três horas. Ao deitar, começaram os pensamentos em formato de conselhos:
– Aqueles que desejam vitórias, conquistas procurem o equilíbrio, a vontade de fogo, temperada com uma pitada de paz interior. Isso não lhes trará a felicidade completa, porque é humanamente impossível, mas lhes trará menos sofrimento, menos amargura e mais integridade em relação ao seu viver. Um viver inteiro e íntegro. Um viver equilibrado no intelecto, no social, em harmonia com a natureza.
Bangse se levantou, caminhou em direção à sacada do apartamento, olhou o céu poluído, recoberto de nuvens, e, mais embaixo, viu os prédios e as casas num equilíbrio, no silêncio de sua mente. Ao sair da sacada, caminhou até o quarto e deitou até cair no sono.
            Assim, entre noites de insônia e algumas anotações durante o dia, Bangse refletiu sem parar sobre vários assuntos.

                                               OS JOVENS DO SÉCULO XXI

Os jovens são construídos de forma anarquista querendo o poder para si. Isto é, para eles pouco importam os políticos, as leis ou os impostos. Anarquistas porque para esses jovens não há governo, existe apenas o poder comunitário baseado na violência exacerbada e no crime: “Eu tenho a liberdade e não cedo à opressão”. Vivem sem a ideia de um governo. Assim, não há ideologia, têm apenas um modo de ser egoísta e solitário em que fazem o que acreditam ser o correto. Sua intenção não é destruir para criar, é apenas destruir.
Esses jovens impõem suas próprias leis, pegam seu dinheiro, sequestram a própria família, levam seus bens, por vezes os condenam à morte, executando-os. Eles não são como os anarquistas espanhóis do final do século XIX e início do século XX. Não têm ideais libertários ou ações de assassinato de líderes políticos. Não pensam em um equilíbrio entre a ideia do indivíduo acima de tudo e uma economia coletiva para todos. Há apenas o “ditadurindividualismo” §, uma característica herdada com traços da recente ditadura, associados ao poder da banalização da violência.



                    A ALMA DO ESTADO          

Aqueles que pensam que o Estado não tem uma alma estão muito enganados. O Estado somente é corrompido porque assim ele permite. Ele corrompe os corruptores e alicia aqueles que estão sob sua ordem direta. Ele devora aqueles que o desafiam.  Afasta-se daqueles de quem não tem mais necessidade. Ele suga os que acreditam que estão no comando e rejeita os que querem levá-lo para o bem comum. Ele dispensa os flagelados. Está em comunhão momentânea com aqueles que acreditam ter o poder sobre ele.
O Estado é sarcástico com aqueles que não lhe interessa punir no momento.  Pune os inocentes e libera os culpados, por vezes pune os dois, por vezes liberta os dois, às vezes incrimina a si próprio para enganar tanto os inocentes quanto os culpados. Ele tem vontade própria, tem desejos. Sabe quando deve errar e por vezes erra sem saber que errou. Escolhe seus amigos, mas não é amigo de ninguém. Ele se acha eterno, indestrutível, porque sabe que, quando é derrubado, assume outra personalidade. Deixa-se enganar para consumir o enganador; é cínico quando abraça forte o mais necessitado. Ele se conchava com outro Estado, às vezes briga com o outro, às vezes invade o outro e chora quando o outro se apodera dele.
O Estado se acha importante para os seres humanos; acredita que, sem ele, os seres humanos jamais existiriam como civilização. Sem ele, não existiria um modo de vida entre os seres que nele habitam. Ele constrói você e o destrói, você é totalmente substituível. Ele cuida de sua saúde e o apunhala pelas costas. Os políticos que acreditam ter o comando estão sufocados em suas entranhas, amargurados pela sede de poder, ao mesmo tempo em que Ele vomita sobre eles. Ninguém ou nada tem sua posse. Tudo nele é passageiro. Todos e tudo que nele habitam estão contaminados, nem a religião escapa de sua contaminação, tamanho é seu poder.        

Bangse anunciou:
– Com a palavra, o Estado!
– Bem-aventurados os guerreiros “bajuladores”, pois estes morreram em meu nome; levantarei estátuas de bronze ou pedra em seus nomes. Entrarão para a História como heróis nacionais.
Como sempre, o Estado continuou com sua arrogância:
– Bem-aventurados os “bajuladores” intelectuais, pois estes terão centenas de livros vendidos, dos muitos publicados. Ganharão espaço na mídia, ocuparão os melhores cargos nas universidades públicas e privadas. Terão espaço em todo cargo público, independente da linha de governo ou do regime político.
Em seguida, dirigiu-se ao povo:
– Meus bem-aventurados e caros compatriotas! Querido e amado povo desta nação! Venho com apreço, neste momento, dizer que passamos por momentos difíceis e precisamos contar mais uma vez com a colaboração de vocês. O Estado, neste momento histórico, se assim me permitem dizer, declara a toda a população, sejam ricos ou pobres: É importante manter-se digna a nossa supremacia, pois somente assim lhes darei um sepultamento digno de um homem livre que me respeitou e me amou durante toda sua vida.
E o Estado assim finalizou:
– Bem-aventurados os políticos, eu sugarei a sua alma, a sua essência, até não existir mais nada de vocês, nenhuma substância, nenhum fluido. Mas não se preocupem, pois o nome de vocês se perpetuará por muitos e muitos anos. Tenho dito!


  A INQUIETAÇÃO DE BANGSE

– Vejamos como nosso corpo reage ao estresse. Minha ansiedade em acordar causa esta inquietação nas pernas.
Em seguida, Bangse levantou e começou a caminhar repetidamente pelo apartamento entre a sala, a cozinha e o quarto.
– Sei que devo equilibrar-me, porque acredito fielmente que é no equilíbrio que existe a cura. Apesar de ter lido na internet que a “síndrome das pernas inquietas” necessita de tratamento médico, não me preocupo com ela na maior parte do dia. À noite realmente ela me incomoda. Por um lado, é uma sensação horrível que não desejo a ninguém; por outro me faz levantar, deixando-me acordado para pensar e refletir sobre o nirvana, sobre o equilíbrio das coisas em si mesmas. O engraçado é que na maioria das vezes não encontro palavras adequadas para o que penso. Não consigo expressar-me no conjunto e com o vocabulário que possuo.
Bangse sentou por alguns instantes e continuou seus pensamentos:
– Não consigo parar de pensar no nada como um ponto de equilíbrio no universo das coisas. Como posso saber se não estou louco? Acredito que tenho a resposta. Enquanto equilibrar o mundo das coisas, dos impostos, do dia-a-dia, do trabalho, das contas, do trânsito, da família, etc. e o mundo dos meus pensamentos, da minha madrugada, da minha aflição nas pernas, estarei bem. Enquanto eu administrar esses dois mundos em que vivo, equilibrar esse vulcão de momentos, acredito que ainda não estou louco. Pelo menos, por enquanto! Ufa! Que bom!
Ele se levantou, caminhou e seus pensamentos prosseguiram:
– A loucura está em minha ansiedade: quando deito para dormir, não vejo a hora de despertar; quando estou acordado durante o dia, no trabalho, não vejo a hora de dormir. Isso é terrível! Eu sempre tenho que fazer a próxima coisa durante o dia. Se estiver numa fila do banco, tenho pressa de ir à fila do caixa do mercado; se estou  lecionando em um lugar, não vejo a hora de chegar ao outro; se estou sentado, tenho de ficar em pé e vice-versa. Assim vai e assim será até o dia em que eu morrer, ou quem sabe... Mas este sou eu, este é o mundo em que vivo. Não é o mundo com que sonho, mas é o mundo em que vivo. Não é o mundo que desejo, mas é o mundo que existe.
            Bangse acabou por dormir mais uma noite no sofá da sala.


O TRABALHO DE BANGSE

            Nos finais de semana, a insônia persistia, as pernas inquietas continuavam a perturbar Bangse.
– No início adorava lecionar, esta era minha vida. Parecia-me que nasci para lecionar. Com o passar do tempo, meu entusiasmo foi diminuindo. Hoje, leciono por necessidade: preciso do salário. Por outro lado, adoro escrever, pesquisar, entrevistar e analisar. O cotidiano escolar me esgota significativamente. Prefiro estudar a lecionar, prefiro ser aluno. Gosto de participar de palestras, como ouvinte ou como orador.
Caminhou até a janela; ao abri-la, sentiu o frescor da madrugada no rosto.
– A obrigação de lecionar consumiu meu entusiasmo. Neste caso especifico, acredito que a obrigação acaba com o equilíbrio. Quando obrigamos nossos filhos ou nossos alunos a estudarem, pode acontecer a mesma coisa. Tem que haver uma troca; daí, a necessidade da política. Não é uma política partidária ou pública em relação à educação, e sim gerar um equilíbrio, uma troca que desperte o prazer de aprender.
– Podemos comparar essa situação com o casamento ou a união de duas pessoas. Por vezes, vemos casais de velhinhos de mãos dadas tratando o parceiro com carinho. Diríamos que houve uma troca durante suas vidas juntos, um equilíbrio, o ponto zero. Quando um dos lados puxa mais forte há um desequilíbrio. Há cortes na relação, os quais nada têm a ver com os conflitos que fazem parte de qualquer relação entre os seres humanos. Há mágoas que ocasionam discórdias; em seu extremo, basta abrir um jornal e ler os casos de assassinatos (marido que mata a mulher e vice-versa), frequentemente relatados. O amor em excesso também gera o desequilíbrio, ele deve ser equilibrado.
 Bangse viajou nos seus pensamentos em meio à sonolência e continuou:
 – O que isso tem a ver com o desequilíbrio em relação ao meu entusiasmo em lecionar? Minha resposta inicial é o salário; o baixo salário na educação desanima qualquer um. É como um desequilíbrio no amor. Porém, há outros fatores. Eu mudei! Para melhor ou para pior? Ao longo do tempo, a escola e os alunos também mudaram. Para melhor ou para pior? Em meu caso, as leituras, os cursos, os estudos ampliaram meus conhecimentos; aprimoraram e refinaram meu intelecto. Não posso dizer o mesmo sobre os outros professores porque não sei quanto tempo eles dormem.
Bangse começou a rir sozinho porque praticamente não dormia; às vezes ficava lendo, na maioria das vezes pensando nas noites em que deveria estar dormindo.
– Na educação, a situação é cômica. O professor tem direito a bolsa mestrado ou doutorado, mas é preciso estar matriculado e cursando para recebê-la. Para que ele esteja matriculado é necessário pagar. Mas o professor não tem salário suficiente para sua sobrevivência, imagine arcar com mais um gasto. A universidade pública, para mestrado e doutorado, é restrita, tem poucas vagas. Normalmente, os bons alunos da  graduação são convidados para o mestrado; ao terminarem, já garantem a vaga para o doutorado.
Em relação às escolas, posso enumerar seus principais problemas:
1. A escola conta com uma vasta biblioteca mas não tem sequer uma bibliotecária.
2. A escola possui computadores, porém não faz a manutenção nem troca as peças; as cadeiras são quebradas, os mouses roubados, etc.
3. O que o professor tem em mãos é apenas o giz.
Dessa forma, fica difícil lecionar neste país. E mais difícil é continuar gostando,  porque não há uma troca. Há um verdadeiro desequilíbrio entre tudo, especificamente entre o doar para lecionar e o receber por doar.

Mais uma vez, a cabeça de Bangse tombou para o lado e ele acordou num solavanco.
– Num paradoxo, analiso que mudei para melhor e sinto-me pior, porque intelectualmente estou melhor e em termos de motivação, pior. Da mesma forma a escola maquiou-se para melhor e está pior. O professor não consegue cumprir seu papel de educador, necessita de mais de um emprego para o sustento da família, de modo que não tem tempo de reciclar-se.
Assim, como consegui melhorar intelectualmente com mais de um emprego? Será que me maquiei para melhor intelectualmente? Leio livros nos intervalos das aulas e nos finais de semana; às vezes abonava faltas para assistir a uma palestra de meu interesse. Porém, não consegui aplicar com os alunos o que aprendi. A resposta está em verdadeiro desequilíbrio, tanto pessoal, como da escola. Qual a saída? Temos que sair da mediocridade. Para isso, temos de pensar quem são nossos alunos. Quais interferências externas agem sobre eles? Por que eles não respeitam professores e a escola como um todo§? Professores equilibrados, escola equilibrada; alunos equilibrados, sociedade equilibrada. Como? Parece-me impossível.
Bangse foi para a cama e, massageando as pernas, adormeceu depois de várias horas de insônia.


 PRÉ-ADAPTAÇÃO HUMANA
           
Ao ler um livro sobre a evolução humana, Bangse comentou:
- Sou fascinado por livros. Os que tratam da evolução humana me chamam a atenção
Fixou o olhar num trecho do livro e leu em voz baixa:
– “A evolução se restringe apenas às oportunidades ambientais, mas também à capacidade que o grupo tem de agarrar essas oportunidades antes que outros o façam. Não é de se admirar que os habitantes das praias tenham originado o primeiro animal terrestre, porque eram muito favoráveis a essa colonização” §.
Em seguida, parou de ler e começou a refletir:
– Mais uma vez presenciamos na natureza o equilíbrio. Nesse caso, entre a oportunidade e a capacidade. Esse equilíbrio, provavelmente, ocasionou a pré-adaptação que gerou as relações evolutivas entre os organismos vivos até chegarmos à diversidade terrestre atual. Logo, não é no caos que surgem as espécies, e sim no equilíbrio do acaso das necessidades. O equilíbrio é, pois, um meio natural de evolução das espécies. A variedade de seres vivos, sejam eles vírus, bactérias, sejam vegetais e a grande variedade de insetos e animais, surgiu em um momento de equilíbrio. Não ignoremos uma “vontade de potência” inicial, uma espécie de força brigando para sobreviver, porém é no equilíbrio que a espécie se destaca e sobrevive. A própria cadeia alimentar é um equilíbrio. Se não houver um equilíbrio, um ou mais espécimes serão extintos.
 As concepções de Bangse sobre o equilíbrio no processo de formação dos seres vivos remetem às relações entre oportunidades e capacidades, propondo uma visão diferente de muitos filósofos e estudiosos na área em questão.
– Portanto, não é do caos que surgiu a vida, e sim do equilíbrio, do ponto zero, do “Qi Pleno”.


              O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA ALMA HUMANA

Acordado durante as noites e com suas aflições nas pernas, Bangse pensava:
- A alma é construída pelos sentidos; através deles o homem se autoestabelece na relação entre pensamento e linguagem. Há um processo de internalização que se inicia no útero da mãe. Ali, o feto toca os tecidos intrauterinos da mãe, ouve sons, esboça dor, vê significativamente mais claro e mais escuro, tem em seu paladar o gosto do líquido do útero. Acredito serem esses os primeiros sentidos do ser humano.
Não contente com seus pensamentos iniciais, aprofundou-se.
– Por mais que haja vida no recém-nascido, não existe vida com entendimento básico das coisas em si. Decerto, há um processo de internalização para que o recém-nascido possa comunicar-se de sua forma com o mundo exterior. Ele tem os sentidos, sente frio, fome, chora, etc., mas não possui, ainda, o saber mínimo que lhe permita identificar-se com o seu eu. Isto é, o recém-nascido não se conhece como filho de alguém. Ele apenas está e quer.
Bangse acreditava que é durante o sono que ocorre a aprendizagem.
– É no sonhar com aquilo que se apresenta durante os momentos acordados, que o recém-nascido exerce uma interligação com o mundo social, com as coisas, pessoas em particular, etc. ao seu redor. As funções psíquicas durante os sonhos emergem e se interligam com sua mente, levando-o a uma aprendizagem por associação progressiva, sistemática e interposta pelos sentidos. Discordo de Vygotsky quando enfatiza que “a construção do conhecimento ocorre pela interação mediada por várias relações com o real”. De fato há “mediação”, porém não é somente ela que caracteriza os mecanismos intencionais no recém-nascido. É no sono, durante o sonho que ele se vê como sujeito no mundo dos adultos (adultos, no sentido de internalizada a identidade). O sonho e a mediação colocam o recém-nascido defronte à realidade dos “adultos”, fazendo com que, durante o processo de amadurecimento, se enfatize a construção do conhecimento.
Para Bangse, o real se inicia no inconsciente do feto durante os sonhos. Para ele, é ainda no útero que o sonho ocorre como os primeiros indícios da relação do feto com o real.
– O processo voluntário inicia-se durante os sonhos. É durante o sonho que há associações do real, e apenas aquilo que pertencia ao inconsciente, gradualmente, é memorizado no consciente. São os sonhos que revelam a realidade. Portanto, a função inicial dos sonhos no recém nascido é, “e somente é”, o arquétipo, o protótipo da superação dos mecanismos que invade de forma sutil o consciente.
Bangse considerava que a semente da alma humana surge exatamente nesta ligação: o sonho mediador entre o consciente e o inconsciente nas funções do real.
– É como se o sonho fosse a água, e a semente o recém-nascido. A semente não seria uma árvore se não fosse a água. O recém-nascido não seria um homem sem os sonhos. Á água é necessária à vida toda da árvore, assim como o sonho à vida toda do homem.
 – Jung§abordou os sonhos como realidades vivas dos símbolos, com muitos significados em um complexo mecanismo de interpretação. Concordo com Jung quando afirma que as fundamentais funções psíquicas do homem são o pensamento, o sentimento, a sensação e a intuição; e que cada uma delas pode ser experienciada de maneira introvertida, como também extrovertida. Acredito que é no equilíbrio dessas funções que surge a razão.
– Quando há um desequilíbrio que favoreça mais para o sentimento, ou para qualquer uma das funções psíquicas, eu (Bangse) discordo de Jung quanto ao tipo de personalidade do indivíduo. Não acredito que um sujeito com predominância da função do “pensamento” é grande planejador e tende a se agarrar a seus planos e teorias, sendo ele lógico e objetivo. Também não acredito que o sujeito em que predomine a função “sentimento” tenha julgamentos de valores próprios do bem ou do mal, do certo ou do errado, ao invés de julgar como faz o sujeito reflexivo (do pensamento). Não creio também que o sujeito classificado como de função “sensação” reporta-se àquele que pode videre (do latim: ver), tocar, cheirar, constituído na percepção dos detalhes. Nem tampouco acredito que é na função “intuição” que prevaleça o processamento das informações depressa, rapidamente com agilidade, etc.§
– Como mencionei, reforço que existem tais funções psíquicas, porém isso não nos permite classificar o sujeito por percepções individuais. O sujeito é inteiro, não podemos elaborar julgamentos, valores, elaborados a partir de uma única função. Daí, a importância de considerar o sonho como o fundamental burlador das funções. Os sonhos enganam “o pensamento, o sentimento, a sensação e a intuição”, tudo se iguala na forma de ser do homem inteiro. A personalidade não se forma através das funções psíquicas individuais, e sim dos sonhos, do inconsciente. É no inconsciente que tudo se revela nem para mais, nem para menos. É certo que muitas vezes estamos acordados e inconscientes, porém é dormindo e sonhando que o homem “sente” mas não “pensa”, tem “sensação” mas não tem “intuição”. Isso porque tanto o pensamento quanto a intuição somente nos contemplam por meio da razão. Portanto, as funções psíquicas apenas existem, porém, individualmente, não classificam nem conceituam uma personalidade.  
Bangse era grande admirador do trabalho de Jung, considerando-o um dos psicanalistas melhor conceituados e o que mais se aprofundou na mente humana.
– Jung§afirmava que uma das funções do sonho é contrabalançar – mais uma vez o equilíbrio, tão considerado por Bangse – a racionalidade do pensamento verbal com o pensamento em imagens. Para ele, o sonho é a ponte entre o processo consciente e inconsciente, em que o consciente contém menos emoções e imagens simbólicas se comparado ao inconsciente. Assim, o sonho ajuda a equilibrar a diversidade de influências a que estamos sujeitos enquanto consciente. Tais influências, frequentemente inadequadas, é que moldariam nosso pensamento, nossa personalidade e individualidade. Dessa forma, o sonho, segundo Jung, reconstitui o equilíbrio psíquico total. – Mais uma vez o equilíbrio, aqui exposto por quem, nada menos que Jung.


 O ESTADO E A DOENÇA

– O Estado é um poder que causa doenças à sociedade, tanto ao indivíduo como ao coletivo. O Estado como poder político de uma nação é o maior causador de câncer no ser humano.
Contrariando muitos, Bangse falou:
– Aquilo que antecede as causas da maioria das doenças nos seres humanos é ocasionado devido ao poder do Estado. As doenças cardíacas, a obesidade, cânceres, etc. são causados devido ao poder que o Estado exerce sobre o homem. O que precede a doença é a preocupação, o nervosismo, o cansaço, a depressão, o stress, etc. E o que causa aquilo que antecede a doença são as leis, os impostos e o modo de vida que a cultura do “Poder do Estado” reforça no emaranhado de relações do ser humano. Assim, ao mesmo tempo em que surgem os remédios, aparecem mais doenças.
Bangse acredita que o ideal para o ser humano é adquirir conhecimento para operar o devir com equilíbrio e sabedoria.
– É difícil lidar com tantos problemas que o Estado nos proporciona tanto particulares quanto públicos. – Bangse se voltou para o público. – Quando o Estado toma para si as causas da população, um “semi-caos” se autoestabelece. Como “pequenas máfias”, há uma luta de poder interno, corrupção, o beneficiar-se a si próprio, interesses em favor de outros, excluindo assim os necessitados. O Estado tem o poder de excluir. Assim, acredito que o Estado se apodera do maior e mais apurado instinto do homem, o “sentimento emocional”§.
Um exemplo atual: Em 2006, Lula anunciou medidas para os catadores de papelão (homens que andam puxando papelão em enormes carroças). Nesse mesmo ano, anunciou um decreto que institui a separação de resíduos recicláveis nos órgãos e entidades da administração pública, e sua destinação para associações e cooperativas de catadores com o objetivo social de acabar com a fome e a miséria. Iniciou-se, aí, a máfia dos catadores de papelão.
“Lula foi chamado de "companheiro" pelo presidente da Associação de Catadores de Papel, Papelão e Material Reciclável (Asmare), Luiz Henrique da Silva, que declarou nunca ter visto nenhum governo fazer tanto pela sua categoria quanto o atual. "Estou quebrando o protocolo ao chamar o Presidente de companheiro, mas é esse o sentimento que a gente tem com ele, que tanto fez por nós.", disse Luiz Henrique. "Agora vou deixar o homem trabalhar", acrescentou, ecoando o refrão da campanha do presidente-candidato”. §
Bangse, durante algumas conversas com mendigos que antes viviam de catar papelão, descobriu que seus carrinhos foram queimados por fiscais, aquilo que eles usavam para ganhar seu dinheiro, para sua sobrevivência, pois alguns catadores sustentavam suas famílias com a venda de papelão. O efeito foi contrário: Em janeiro de 2008, durante uma missa na Catedral da Sé, aniversário da cidade de São Paulo, um mendigo esfaqueou duas pessoas durante a comemoração. O mendigo disse que São Paulo acabou com ele.
 – Pergunto: por quê? Às vezes, durante a noite, eu me coloco no lugar daqueles mendigos, ex-catadores de papelão; imagino minha carroça, aquela de que retiro meu sustento, queimada. Em seguida, depois de alguns meses juntando dinheiro de papelão que supostamente carregaria nas costas, compro as rodas e aos poucos outros apetrechos. Monto, com muito sacrifício, outra carroça, a qual supostamente seria destruída mais uma vez. Não deve ser nada fácil! Haverá um dia em que não viveremos mais sob o poder do Estado.
Bangse pôs-se a refletir no futuro:
– Sei que demorarão alguns séculos, ou milênios. Os homens caminharão para um mundo sem fronteiras. Para um mundo menos desigual, em que o respeito mútuo ordenará uma forma de vida com menos corrupção, maior distribuição de renda, menos miséria, um anarquismo que ofereça uma liberdade coletiva e individual tanto das empresas quanto dos trabalhadores. Daí, quem sabe, as doenças poderão ser erradicadas.
Isso porque Bangse acredita que a causa principal da doença é a emoção. Um sentimento intenso tanto eleva o sujeito para o domínio do outro quanto para a submissão, causando doença ao dominador e aos submissos. Quando controlamos nossa emoção estamos sujeitos ao equilíbrio. Disciplinar as emoções às quais a alma é submetida no cotidiano, segundo ele, alinha um equilíbrio padrão no interior das relações humanas.
– Controlando a emoção, evita-se que toxinas bioquímicas se infiltrem em nosso corpo através de nosso inconsciente.
Bangse percebeu que o equilíbrio emocional diminui a tensão, fazendo com que as enzimas e os fluidos do corpo humano, em suas reações bioquímicas, funcionem adequadamente como canalizadores. Assim, metaboliza o organismo, livrando o corpo dos excessos, eliminando as impurezas e absorvendo o que o corpo necessita.
Aqui surge uma pergunta: Então, por que ele não se autoequilibrava para eliminar sua síndrome das pernas inquietas? A resposta aparentemente é simples: isso o ajudava a perder o sono e a continuar suas reflexões durante a noite.        

                A EDUCAÇÃO

Bangse demorou muitos anos para elaborar seus estudos sobre a educação, que se realizaram em escolas públicas da periferia de São Paulo e da Grande São Paulo. Foram anos de estudos com muita leitura e um extenso trabalho de campo, aqui sinteticamente descrito.     
Ele conta:
            – Certo dia, em 2005, eu li numa revista§a entrevista de ninguém nada menos que, em minha opinião, o maior líder do MST (Movimento dos Sem Terra) do Brasil, o Sr. João Pedro Stedile. Ele disse que o hip-hop é um movimento que está se ampliando e massificando: “é um movimento que, com base cultural, aglutina os jovens pobres, negros e mulatos das periferias com idéia na cabeça. Essa garotada não é estúpida” (p.31). E mais: “o povo brasileiro está apático, mas não haverá muita demora para o despertar das massas” (p.29). Ele também afirmou “sem base científica” que “este país não passa mais dois ou três anos sem um processo de grande mobilização da massa. E essa é a força renovadora” (p.33).
            Após ter lido a entrevista, Bangse foi lecionar numa escola da periferia da Grande São Paulo.
– Ao chegar à escola,        tentei confirmar para mim mesmo se o que Stedile havia dito estava correto. Comecei a perguntar aos alunos de várias séries do ensino médio o que era o MST; a maioria devolveu-me a palavra perguntando: “O que é isso?”. Entre os muitos, apenas dois disseram que era o movimento dos sem-teto porque já tinham vivenciado invasões em residências vazias. Resolvi então reformular a pergunta: “Você conhece o Movimento dos Sem Terra?”. Todos me responderam praticamente a mesma coisa: as pessoas que não têm onde morar. Em seguida, durante o diálogo, fiz outras perguntas: “Conhece o que eles fazem? Sabe se eles se reúnem? Para que se reúnem?”. A resposta foi unânime: “Não sei!”. Nenhum soube responder.
– Assim, cheguei à seguinte conclusão: Convenci-me de que João Pedro Stedile está errado, porque temos um povo ignorante. Temos jovens líderes de quadrilhas, narcotraficantes da dança do hip-hop. Verdadeiras gangues que agridem os roqueiros, espancam os “fanqueiros” e desprezam as meninas que dançam “axé”. Esta é a verdadeira imagem do jovem da periferia: jovens construídos na escola, e consequentemente na sociedade. Jovens que lotam presídios e FEBEMs. Jovens que matam por prazer quando praticam um assalto; são perversos, possuidores de um corpo em desenvolvimento e uma alma exterminadora. Matam por pouco, ou matam por nada. São, na maioria, grandes covardes que agem em bandos e armados contra uma sociedade desarmada e indefesa. Por outro lado, concordo com Stedile quando diz que a “Nação apática ainda vai despertar”. Acredito que já despertou, mas de modo contrário a uma idéia revolucionária, ou de lutas através das instituições. Podemos observar nos jornais todos os dias uma violenta e sanguinária luta, daqueles construídos para a marginalidade contra aqueles que apenas vivem pacificamente. O que me deixa irritado é que calamos, consentimos esses atos, pacificamente os desprezamos por não conhecermos os agredidos ou porque somos tão covardes quanto os agressores.
            Notemos que Bangse estava certo, porque três anos se passaram e nada mudou; a Nação ainda continua apática. Porém, num paradoxo, Stedile está correto, isto porque a humanidade e a natureza estão se aproximando da beira de um precipício, podemos sentar e continuar nossa marcha em direção ao abismo, ou agir e reivindicar o futuro que toda pessoa de bem deseja. Necessitamos urgente de uma reforma política; precisamos realizar movimentos sociais de combate a corrupção, de igualdade de direitos, estabelecendo limites aos políticos. Além disso, convencer as pessoas de bem a sair nas ruas gritando palavras de benevolência, respeito e amor ao próximo.
Outro trabalho de Bangse foi após os “ataques, coincidentemente praticados nas vésperas das eleições”, por um grupo denominado PCC§ (Primeiro Comando da Capital).  
 – Após o término dos ataques do PCC, com centenas de pessoas mortas, tanto do PCC, quanto dos policiais, o Brasil se destacou no cenário internacional, foi recorde nos noticiários de revistas e jornais. Enquanto isso, nas escolas públicas da periferia alunos sumiam e nunca mais foram vistos. Alguns professores diziam que a escola estava uma maravilha, o que não durou muito tempo. Isso porque outros ocuparam o lugar daqueles que se foram. Vivemos num tempo em que a cultura da “violência” se manifesta através da banalização da mesma.
            Bangse acredita que a corrupção e a variedade de crimes expostos diariamente pela mídia geram a cultura da violência, atingindo diretamente a formação da personalidade, principalmente das crianças da periferia e das menos assistidas pelos pais ou responsáveis.  
            – A banalização das estruturas e particularidades de nossa política, a corrupção, os “mensalões” §, etc., que imundam e enojam a maioria da população, a todo instante na mídia, auxiliam na construção do jovem, do aluno. Em outras palavras, supõe-se que para ele a democracia, o direito de ser cidadão, é participar das falcatruas e corrupção no universo da política. A banalização de diversos crimes como roubos, assaltos, sequestros, etc., frequentemente expostos pelos meios de comunicação, acaba sendo uma “teoria” para as crianças e uma “prática” para os jovens. Isso nos permite dizer que a criança, ao entrar na escola, tem todo o conhecimento teórico, e a escola acaba sendo o espaço para a prática da violência. Nesse espaço, roubam e destroem o patrimônio público, montam-se as gangues, surgem os heróis, as brigas, agridem professores, física e emocionalmente. Esses alunos acabam sendo construídos sem poder de crítica a si e aos outros. O desejo de possuir o que é apresentado na mídia, tanto os produtos como o modelo de vida a ser seguido, colabora para os altos índices de criminalidade.
Bangse acredita que o adulto possui uma ética de vida, uma moral estabelecida; assim, ele tem um olhar crítico da situação. Quando a mídia transmite um ato de corrupção ou algo parecido, implicitamente as pessoas aceitam com certa vulgaridade e frustração.  A criança ou adolescente em construção não estão na maior parte do seu tempo com os adultos, os quais poderiam ajudar na percepção e no entendimento da situação. Eles vivem seus mundos, interpretam por si e absorvem as informações dos noticiários.
            Bangse falava com convicção, pois passara mais de vinte anos lecionando em escolas da periferia.
             – A educação dita “democrática”, da “pedagogia do amor”, injetada como uma grande seringa nas estruturas subjetivas da consciência do aluno, contém: “Aqui posso fazer o que bem entender”. Trata-se de uma “liberdade” interpretada como gozo de direito livre, direito de fazer sem se importar com o outro ou o patrimônio público. Esse aluno, construído com tal subjetividade, composto nesse aprendizado, adquire nas entranhas de sua alma esse modo de ser que é determinante na formação de sua consciência; isso passa a fazer parte de sua estrutura subjetiva. Essa passa a ser a forma como a criança ou o adolescente em idade escolar percebe o mundo e com ele se relaciona. Assim, é constituída a subjetividade do educando; através da exterioridade alcança índices de violência em nome da “liberdade”, do direito de “tudo pode”.
 Bangse entrou mais uma vez na podridão da política.
 – É na escola que aparecem as frases e discussões do “quanto é bom ser político”, “eu quero ser político”, “eu quero a minha parte”, “se fosse eu com todo esse dinheiro”, etc. A ideia de cidadão contribui para a questão de “eu também tenho esse direito”. Daí supõe-se que para o aluno a democracia, o direito de ser cidadão, significa participar das falcatruas. E a escola da periferia tem o poder de construir um cidadão que a grande maioria das mães não quer. Assim, o princípio constitucional, de escola e educação para todos, ao contrário de educar, atinge diretamente o aluno da periferia deseducando-o, porque ele possui a menor estrutura familiar e a maior estrutura para atingir a marginalidade.
Bangse pensou no espaço escolar, é importante lembrar que se trata de escola localizada na periferia.
 – Tem portões fechados com grandes cadeados, separando tudo do aluno. Os cadeados são abertos conforme a necessidade e a ocasião; em seguida, tudo é fechado novamente. As portas da biblioteca são fechadas; a porta do pátio fechada, somente abrindo na hora do intervalo; o portão da quadra abre e fecha entre uma aula e outra. A maioria das escolas é contemplada por várias salas, banheiros masculino e feminino, um grande pátio e a quadra de esportes. Há salas que compõem a secretaria da unidade escolar: a sala do diretor, do vice-diretor e dos professores. Há também, de aproximadamente cinco anos para cá, unidades escolares com sala de computadores (os que não foram roubados estão quebrados) e biblioteca (sem bibliotecária). Desse modo, os alunos, ao chegarem à escola, deparam com imensa muralha com um grande portão, trancado com um ou mais cadeados. Ali, aguardam o sinal. Ao entrarem, passam por um portão entre a rua e a escola; em seguida, passam por outro portão, situado entre a entrada e as salas. Durante o período escolar, os alunos entram e saem da sala de aula, com ou sem autorização do professor; caminham nos corredores perturbando outros alunos em outras salas. Eis que chega a aula de Educação Física (alguns alunos sempre invadem a aula de Educação Física) e mais um portão para abrir. Pode-se comparar o prédio da escola com um prédio de presídio, fechado, todo trancafiado; pessoas trancadas entre compartimentos. Tudo no prédio da escola lembra um presídio. Além disso, no presídio há as normas e regras internas impostas pelos presos, e na escola normas e regras parecidas, trazidas pelas LAs (Liberdade Assistida). O espaço escolar acaba funcionando como um mero conjunto de regras relativas à faculdade de falar e de expressar muito mal, em nível da marginalidade, tanto quando se trata dos excluídos como dos criminosos (isso porque nem sempre um excluído é um criminoso).
– Portanto, a escola pública localizada na periferia é apenas um espaço de ação para a prática da violência. Espaço de valores, jogos de poder, ídolos, depredação, formação de gangues, formação de quadrilhas, humilhações de alunos e professores. Espaço do desrespeito a si e aos outros. Por que tanta violência praticada pelos jovens e a má compreensão de tal violência por parte das autoridades educacionais? Na medida em que faltam análises para a compreensão das atuais brutalidades, podemos dizer que a banalização da violência é, sem dúvida, a principal.
– Dessa forma, existe ou não um espaço de aprendizagem das disciplinas, da cidadania, da ética e da moral na escola pública com uma adequada estrutura didática e metodológica? Essa questão coloca em xeque os objetivos educacionais, a metodologia, a avaliação e a própria LDB (Lei de Diretrizes e Bases). Durante muito tempo, a inadequação estrutural, didática e metodológica do ensino público sugeriu cinco ou três avaliações, “A”, “B“, “C”, “D”, “E”, ou, pior, “PS”, “S” e “NS”. Isso permitiu uma aproximação elevada entre o aluno que pouco produz e aquele que é significativamente melhor ou pior, desestimulando o mais esforçado. Daí surgem questões como: o desestímulo atinge a autoestima do educando? A baixa-estima eleva o grau de violência? Em sendo possível tal associação, como ocorre esse processo? Teriam os órgãos competentes alguma responsabilidade perante essa situação? Para compreender todas essas questões, é necessário estar ali durante alguns anos, pensando, repensando sobre a ética, a moral, as normas e as responsabilidades ali construídas; vivendo a miséria educacional, a comunidade, a periferia, a violência; e em outro segmento, é preciso conhecer os desejos dos alunos, sua vida, seus heróis, sua felicidade. A “violência”, nítida e cruel, traz a publico sua relação culturalmente construída no meio social. Seu crescimento nítido e certo, que parecia ser resolvido com as diversas FEBEMs, agora, nem pedindo socorro à maior idade penal não inibiríamos esses jovens e adolescentes que passam quase um quarto do seu tempo no espaço escolar. Contudo, a progressão da violência não se restringe à questão da distribuição de renda, da desigualdade social, atinge parcialmente também, vez ou outra, a classe de maior poder aquisitivo. Assim, prova-se mais uma vez que o culpado é a “banalização da violência”.
Bangse acredita que a escola deixa de ser soberana em seu papel na formação para a democracia. Isso, para ele, não significa dizer que a escola deveria formar cidadãos passivos e tranquilos, submissos a um sistema de governo, uma coletividade de súditos e dóceis. Para ele, a educação situa-se potencialmente na construção cognitiva da criança e do adolescente, conservando valores e normas de respeito ao outro e exigindo o respeito tanto para si, quanto para os órgãos públicos e privados.
– Sei que a escola se situa na intersecção entre o tipo de sistema governamental e o sujeito que se deseja construir. E na república a escola se fundamenta numa educação republicana. Desse modo, também sei que não há divisão de renda sem um regime que não seja igualitário. E não há participação popular num governo que se utiliza do paternalismo para apropriar-se definitivamente do poder, não permitindo a alternância entre governantes e governados. Assim, o espaço escolar não é utilizado para a formação intelectual, para capacitar o aluno na escolha de um futuro melhor. O espaço escolar é um mero reprodutor de informações que reforçam as desigualdades, um espaço que promove as injustiças e a criminalidade. A escola não educa ninguém, apenas se ensina aquilo que os alunos não querem aprender e se aprende aquilo que o professor não deseja ensinar. A escola, que antigamente tinha o papel de educar para o trabalho e para o social, hoje tem o papel de formar futuros marginais. Como num presídio, a escola prepara o sujeito para a marginalidade. O presídio aperfeiçoa e aprimora a marginalidade, a escola prepara o caráter marginal; nela se inicia o feitio delinquente. Talvez, aquele que não tem acesso ao ensino, à informação (contrariando a muitos) seja possuidor de valores, de ética e moral mais humana; seja possuidor de um coração que ama, que transcende as limitações do espaço escolar e recebe as bênçãos de sua cultura, prevalecendo a dignidade do ser humano como valor absoluto. Este podemos dizer que é um homem equilibrado.

A seguir, Bangse relatou ter conhecido pessoas sem estudos, porém equilibradas.
– Conheci uma vila de pescadores em Ubatuba, Estado de São Paulo, cujo acesso era de barco ou uma longa caminhada num sobe e desce de morros. Ali, conversando com alguns deles, percebi o quanto são educados e tratam bem as pessoas. Não tinham estudos, porém não estavam contaminados pela escola. A vida ali não era fácil: havia dificuldade em ir à venda mais próxima para comprar alimentos, imaginem precisar de um médico! Porém, aquele isolamento não era tedioso, eles pescavam pela manhã e à tarde entregavam os peixes a uma cooperativa. No final da tarde conversavam com os turistas; por vezes, os levavam até as praias vizinhas. Fora da temporada, diziam que gostavam de jogar baralho e conversar com os amigos. Para as pessoas daquele vilarejo o importante era ensinar os filhos a pescar.
– Poderíamos pensar: que monotonia! Para os que vivem nas cidades grandes, morar numa cidade pequena é um tédio. Para os que moram numa cidade pequena, viver  num vilarejo a vida indígena é uma monotonia. Entretanto, no modo de ser da vida indígena, a “monotonia” deve ser vista como algo relativo, até porque nas grandes metrópoles há um modo de ser que para uns é estressante enquanto para outros é monótono. Uma mesma função pode ser estressante ou monótona. Uma dona de casa pode achar seu trabalho estressante, enquanto para outra é monótono. Aqueles que vivem de avião para cima e para baixo podem achar monótona a vida dos que pegam ônibus para ir de um lado para o outro. Da mesma forma, os que pegam o ônibus para ir de um lado para o outro podem achar rotineira a vida dos jardineiros ou daqueles que trabalham de gari. Portanto, a monotonia nada mais é que um conceito particular que singulariza a realidade do sujeito. Assim, é praticamente impossível avaliar o que é “uma vida monótona”. Mas há uma certeza: vivam suas monotonias e tentem manter o equilíbrio!

Bangse se preocupava com a situação dos professores.
– Na antiga escola tradicional, o professor representava a autoridade. O professor era aquele “que sabe” sobre “aqueles que estão ali para aprender”. Na escola atual, ele representa “aquele que tenta ensinar” e os alunos “aqueles que não querem aprender” (o conteúdo das disciplinas). É comum o desrespeito com os professores e funcionários da escola. O professor sofre agressões psicológicas e físicas diariamente no ambiente escolar e nada pode fazer; não tem a quem pedir ajuda. Quando ele fica doente, resta-lhe o Hospital do Servidor Público. Ao aluno, tudo lhe é permitido: “respeitem os direitos humanos”, “respeitem o Estatuto da criança e do adolescente” e “respeitem a Lei de Diretrizes e Bases”. O que é permitido ao professor? São-lhe permitidos hábitos de tolerância, subordinação, diante dos alunos e dirigentes. Recebe um baixo salário e vive horas de desconforto e náuseas. Ninguém está ali porque gosta! Pelo menos depois das primeiras semanas; alguns podem demorar um pouco mais.
Bangse expôs o funcionamento do sistema educacional da seguinte forma:
– É deprimente o processo de aniquilação quando se trata da formação da alma humana nas escolas públicas da periferia. Ali, preparamos o aluno para o fracasso anímico irreversível. As horas que o aluno passa na escola, os anos que seriam de “estudos” acabam sendo usados durante o processo de transição, como declínio do pensamento, isto é, em vez de “educação” e aprendizagem de conteúdos, o coletivo   realça a avidez, o orgulho, a discórdia, contrapondo ao que se pode chamar de Educação. O descaso das autoridades, o forte apelo ao consumo num país capitalista transformam essas crianças e jovens em formação num “anticidadão”, um indivíduo que não respeita ninguém, sem amor ao próximo ou à própria vida, que não tem vínculo político-social com seus iguais nem convivência com os bons. Para ele, não importa saber ler e escrever. A grande maioria até acaba lendo e escrevendo, por terem passado quatro anos no Ensino Básico, quatro no Ensino Fundamental e mais três no Ensino Médio. Somando tudo, são exatamente onze anos para aprender a escrever o nome e ter uma leitura básica sem interpretação de um simples texto. Poder-se-ia perguntar: Qual o êxito da escola? Qual o êxito do aluno? Se a escola tem êxito, por que os alunos, em sua maioria, não aprendem o básico (ler, escrever, fazer cálculos simples e interpretar textos simples)? Se o aluno tem êxito, por que a violência exacerbada contra o patrimônio público, contra o professor, contra os colegas de sala ou da escola?
– Em depoimento eu lhes digo que lecionei numa escola pública onde todos os vasos dos sanitários foram quebrados; computadores, TVs e vídeos roubados. Estamos passando por uma fase de absoluta falência e miséria da escola pública. O desprezo pelo sentimento de igualdade e pela compaixão provocou uma inibição no processo de formação do educando. Inibe o que faria bem à alma e consagra aquilo que faz mal à alma.
Bangse, como já notaram, gosta muito das referências de Nietzsche mesmo quando o contraria. O filósofo afirma:
“Sua vontade de vida tinha que ser exacerbada até se tornar absoluta vontade de poder – acreditamos que dureza, violência, escravidão, perigo nas ruas e no coração, ocultamento, estoicismo, arte na tentação e diabolismo de toda a espécie. Tudo que há de mau, terrível, tirânico, tudo que há de animal de rapina e de serpente no homem serve tão bem à elevação da espécie ‘homem’ quanto ao seu contrário – mas ainda não dissemos o bastante, ao dizer que apenas isso, e de todo nos achamos, com nossa fala e nosso silêncio neste ponto, na outra extremidade (p. 48) §”.
– Nietzsche diz isso, referindo-se aos rapazes bonzinhos e desajeitados, porém isso mais se parece com os nossos alunos. Alunos construídos para serem criminosos, que não têm nada de bonzinhos. Daí, a necessidade de manifestar-me a favor da religião. Sabemos do interesse que as religiões possuem na posse do dinheiro, poder, em participar na maioria das vezes nas decisões do Estado, quando apóiam ou indicam seus candidatos a vereador, deputado, prefeito, etc. Por um lado, as religiões são assim, simplesmente porque o Estado assim quer. Por outro, elas permitem a alguns a agirem em normalidade nas relações existentes com o Estado. As religiões acabam sendo um mal necessário para a ordem e o equilíbrio entre as pessoas, porque o Estado não cumpre o seu papel.
Bangse defronta-se com Nietzsche, contrariando-o mais uma vez:
– Persisto em me opor a Nietzsche. Pois sigam suas religiões, criem novas religiões, ou não! Mas ocupem seus tempos de maneira que o mal não exista para o próximo. Não pretendo com meus dizeres propagar a religião. Porém, se o individuo religioso praticar o bem para si e para o outro, independente de Deus existir ou não, será um ato de superioridade. Se o indivíduo for uma pessoa culta de bem com a vida e consigo mesmo, talvez não necessite de religião para fazer o bem. Porém aqueles que formamos em nossas escolas públicas das periferias, somente uma relação com o divino poderá deixá-los mais tolerantes, com uma ética em que o fundamental é o respeito pelo outro, com sentimentos de igualdade e de compaixão. Não interessa aqui discutir a existência ou não de Deus, e sim dizer a importância de um Deus na vida dos alunos, a importância de acreditarem em algo para não caírem no vazio. Podemos fazer como Cristo: “Amai-vos uns aos outros como a ti mesmo” e /ou como Foucault: “Tenha cuidado de si e do outro”. Com isso, discordamos mais uma vez de Nietzsche quando diz:
“Amar o homem por amor a Deus – este foi, até o momento, o mais nobre e mais remoto sentimento alcançado entre os homens. Que o amor ao próximo, sem uma oculta intenção santificadora, é uma estupidez e animalidade mais que esse pendor a amar os homens tem que receber de um mais elevado pendor a sua medida, sua finura, seu grão de sal e partícula de âmbar – qualquer que tenha sido o homem que primeiro sentiu e ‘viveu’ isso, e por mais língua tenha gaguejado, ao tentar exprimir uma delicadeza assim, ele nos será para sempre sagrado e venerável como aquele que até hoje voou mais alto e se extraviou do modo mais belo!” §(pp. 62, 63). 
– Nietzsche, ao mesmo tempo em que usa o sadismo em suas palavras, também afirma o quão é belo e mais distante o “amar o homem por amor a Deus”. Belo no sentido de exprimir um desvio e ter sido o primeiro a viver isso, e distante, longínquo, até fóssil, no sentido de impossível, de falta de discernimento, assombroso e cruel a um modo de perceber por meio de qualquer um dos sentidos: o amor a Deus. Ele realmente não acredita que o homem possa ser bom, no sentido de amável, educado e generoso.
Para Bangse, um dia o homem será bom e generoso, e não haverá necessidade do poder do Estado.
– Isso não quer dizer que teremos o paraíso; longe disso, mas uma sociedade mais igual, sem tanta disparidade cultural e financeira. Acredito que a religião une os menos favorecidos, porque ali há homens de boa vontade. Não que ela seja inocente, até porque a religião, de certa forma, aproveita de seu poder para fins políticos, a História demonstra isso. Por outro lado, a falta de religião é visivelmente observada em qualquer escola da periferia. O ódio, a falta de educação, o desrespeito ao próximo e ao bem público demonstram o horror da falta de religiosidade quando matam e agridem professores, funcionários e/ou a eles mesmos. Assim, o homem de “boa vontade”, descrito por Nietzsche, não é necessariamente parte de um rebanho doentio e medíocre. Esse homem está mais para um modo de ser pacífico, do contrário, estaríamos  concordando com Platão: “ninguém quer fazer mal a si mesmo; por isso, tudo que é ruim acontece involuntariamente. Pois o homem ruim é ruim apenas por erro; se alguém o livra do erro, torna-se necessariamente bom” (90). Nietzsche acredita que essa seja a maneira de relacionar que cheira à plebe: “no agir mal apenas se vêem as consequências penosas, e verdadeiramente é estúpido agir mal”, enquanto admite sem problemas a identidade de “bom” com “útil e agradável” (90). Eu lhes pergunto que mal há em ser útil e agradável? Seja bom! Pratique o bem! Respeite o que é público e o que é privado! É o mínimo que podemos fazer. Não estamos entrando no mérito de praticar a caridade, ser um santo, etc.; apenas devemos ter um comportamento aceitável durante nossas relações, seja com o outro seja com a natureza.
           

     OS CONTRASTES SOCIAIS E A PAZ       

– O país paternalista faz com que as crianças e os jovens esperem tudo do governo e, quando não conseguem, tomam daqueles que estão à sua frente, seja público, seja privado, seja individual, seja coletivo. A violência exacerbada é uma “doença social” discutida amplamente, no entanto sem cura em curto prazo. Nossos políticos omitem-se, trabalham para si, preferem usar do assistencialismo e do paternalismo para se elegerem na próxima eleição.
– A globalização (a atual que visa ao lucro e não ao social, ao armamento e não à paz, que demagogicamente se preocupa com as causas reais da preservação da natureza) e a industrialização estimulam apenas o desenvolvimento dos centros urbanos, aglomerando a população, oferecendo condições ideais e legítimas de submissão aos políticos; da troca de um vale leite ou uma bolsa família pelo voto. Assim, crescem os centros urbanos em que a barganha dos votos está presente pela necessidade popular; centros urbanos onde o “showmício” apresenta as estrelas das duplas sertanejas ou grupos de pagode declarando seu voto frente ao contratante. Isso implica uma revisão urgente no processo das eleições políticas, totalmente antidemocráticas, existentes em nosso país. Antidemocráticas porque só os que têm dinheiro ganham a eleição; aqueles que não têm e ganham a eleição entraram devendo favores para os que têm.
– Eu, Bangse, afirmo que o paternalismo e todo sistema “parafernálico” do processo de eleição (tudo que foi dito acima mais a compra de votos, de grêmios, associações, sindicatos, etc.), integrados em todos os cantos da nação brasileira, constituem um dos mais fortes pontos de sufocação social e são retrógrados quando se trata do desenvolvimento do país e de sua democratização. O Estado tem a incumbência de tornar a convivência harmônica, com proporções regulares entre os envolvidos. O Estado, que teoricamente possui a missão de oferecer pacificação e ordem, acaba ocasionando uma desordem social, manchada de sangue das vítimas indefesas.  Isso me faz discordar de Arendt§ quando diz: “a política é o oposto à guerra”. A política permitida pelo Estado traz apenas desigualdade, em que a criminalidade se iguala à política e consequentemente à guerra, visto que o conceito de guerra é confronto armado, perseguição sanguinária, lutas, hostilidades, etc. e isso é exatamente o que presenciamos hoje no Brasil. Assim, podemos notar que o Estado na qualidade de instituição não tem a posse exclusiva do recurso da violência. A violência é dividida entre o Estado e seus iguais. – Bangse refere-se à violência como toda e qualquer forma ilícita praticada no Estado, tanto pelos políticos quanto pelos criminosos comuns.
– Desse modo, há obrigações a serem obedecidas no Estado apenas pelos cidadãos de bem; estes, sim, estão sujeitos às penalidades. Estes, sim, respeitam as condutas e devem obediência compulsória ao Estado. O Estado! Soberano! Aquele que possui um poder acima dos cidadãos que nele convivem. O cidadão, que em seu conjunto é denominado povo. O povo, construído para ser inerte e apático perante seus governantes. – Notemos nas palavras de Bangse que o Estado constrói seus cidadãos para obedecerem às suas ordens, e também marginais para aniquilarem os cidadãos. –Isso me permite dizer que não somos nem pertencemos a uma Nação brasileira, até porque a palavra “Nação”, muito mais do que a ideia de costumes, língua, religião, etc., sugere uma igualdade, a qual podemos chamar daqueles que vivem em determinado Estado de “cidadãos”. Portanto, temos duas nações: a nação dos cidadãos de bem e a nação dos criminosos (do colarinho branco ao batedor de carteira).
– Não ignoramos a ideia de assimetria em uma nação, porém a função política do Estado (o único que tem o poder de exercer sua soberania em mais de uma nação) é  minimizar no âmbito dos recursos públicos e dos bens sociais em todos os seus níveis (educação, saúde, moradia, emprego, etc.), os contrastes entre ricos e pobres, oportunizando direitos. Em vista disso, o Estado perde sua função de apaziguar as desigualdades, e aqueles que “têm” diferenças que procurem seus direitos na igualdade consagrada nas leis. – Segundo Bangse, aquele que detém o poder econômico possui maior probabilidade de força política. – Daí, a necessidade dos direitos civis, políticos e sociais na diminuição da criminalidade. Para isso, cabe ao dito “povo” ignorar a assimetria e buscar a simetria saindo nas ruas para reivindicar soluções urgentes.
Bangse acredita na força do povo após a derrubada do muro de Berlim§.
– O povo, mesmo sem poder econômico, pode mudar uma nação, desde que para isso seja educado para a leitura e o discernimento. Por outro lado, aquele que tem o poder econômico, seja individual, seja uma classe ou grupo social, influencia diretamente nas determinações que vêm do Estado. Assim, ele é um anfiteatro, uma arena de batalha onde o combate ocorre entre as duas nações (a nação dos cidadãos de bem e a nação dos criminosos). Não quero que interpretem os ricos como nação dos criminosos, até porque, em sua maioria, licitamente conquistaram ou herdaram tal riqueza. Da mesma forma que há pessoas criminosas de uma classe social menos favorecida, há ricos criminosos pertencentes a uma elite e vice-versa. A elite, aqueles que têm a posse e a riqueza também não estão livres de ser atingidos pela violência, seja como membro integrante, seja como presa inocente.
Mais uma vez, Bangse contraria Nietzsche,     que diz ter a elite “a hipocrisia moral dos que mandam”.     
Para Bangse:          
– Façam suas morais! Vivam suas éticas! Tenham suas riquezas! Porém, reflitam sobre os que fazem as leis, seus políticos, sua industrialização, o marketing empresarial, a mídia, a devastação da natureza, etc. Não sejamos inocentes quanto a essa elite que se impõe e utiliza o Estado para servi-la em alguns interesses. Porém, não é o empreendedor o maior culpado da violência exacerbada em nosso país.
Para Nietzsche, construímos “certos impulsos fortes e perigosos, como o espírito empreendedor, a temeridade, a sede de vingança, a astúcia, o extermínio da humanidade”.§(98). Para Bangse, esses impulsos devem ser conhecidos em sua filosofia pelo homem para que saiba dosar o uso deles.
– O impulso empreendedor, como tantos outros, é necessário para nossa sobrevivência. O conhecimento desse impulso pelo homem poderá trazer mais paz à humanidade.
Para Nietzsche, em circunstâncias de paz o homem guerreiro se lança contra si mesmo. Para Bangse, o Estado constrói os guerreiros e os pacíficos.
– A paz não exige o homem guerreiro, mas o homem guerreiro poderá viver em paz. A paz a que me refiro não é a paz provocada por uma guerra, é simplesmente a paz construída na alma.
Para Nietzsche, a compaixão para com todos é uma tirania com você. Para Bangse, a falta dela faz-nos pensar na construção de seres diabólicos, seja na esfera da alma coletiva seja na intrapsíquica.
– A paz construída na alma aponta para a formação de sujeitos compositores de um estilo de vida pacífico. Não seres cordeiros, e sim seres pacíficos. Os impulsos compreendidos durante o processo de construção do ser pacífico necessitam de seres pacíficos com tais compreensões, isto é, os políticos honestos e os intelectuais precisam conscientizar-se da sua importância nesse cenário. É, nesse sentido, que esses homens devem abrir os olhos e agir de forma correta. O político tem que ser menos corrupto e menos perverso, e os intelectuais precisam elaborar métodos, processos, projetos que enfatizem o conhecimento daquilo que é bom e daquilo que é ruim.
– Não pretendo anunciar uma ética de vida ou uma moral aliciadora da alma. Não queremos formar uma alma apática, inibida. E, sim, a partir do exemplo que temos hoje, violência atrás de violência, fazer dos impulsos a que Nietzsche se refere a pessoa mais humana possível. Isso não é fácil! Em nossa sociedade, há múltiplas conveniências, múltiplos jogos em que a vitória se alicerça no mais poderoso. Tanto a destruição (alma criminosa) quanto a construção (alma pacifica) são dois opostos, porém paralelos: um corre por cima, outro por baixo, e ou vice-versa. Assim, não formamos nem o homem “bom de coração e fraco de vontade”, a que Nietzsche se refere, nem tampouco o super-homem, o “homem objetivo”. Formamos, sim, um homem fragmentado, que ocupa a casca da sociedade, um homem sem vínculo, desprovido do bem, uma criatura que apavora, que obtém uma má consciência, treinada para matar sem piedade, sem escrúpulos, desprovido de conhecimentos; um homem que acredita em seus atos como sensação de liberdade.

           

                        NOVAMENTE A ESCOLA

Bangse voltou a falar sobre a escola.
– A cultura construída na escola é adquirida no processo de evolução dessas criaturas: é cultivada, incorporada, transmitida de tal modo que matam aquilo que chamamos de virtude, de ética e passam a ter um estilo de vida em que “só o crime compensa”. Adquirida e compreendida como um processo de construção, suas formas históricas se concretizam na interação das banalidades, dos diversos tipos de crimes, dos vários heróis criminosos, dos diversos políticos ladrões. Aqui cabe muito bem a força nietzchiana:
            “A força que tem o espírito, de apropriar-se do que lhe é estranho, manifesta-se num forte pendor a assimilar o novo ao antigo, a simplificar o complexo, a rejeitar ou ignorar o inteiramente contraditório: do mesmo modo ele arbitrariamente sublinha, destaca e agencia para si determinados traços e linhas do que lhe é estranho, de cada ‘fragmento do mundo exterior’. Assim fazendo, sua intenção é incorporar novas ‘experiências’, enquadrar novas coisas em velhas divisões – é o crescimento, portanto; mais exatamente, a sensação de crescimento, a sensação de força aumentada. A serviço dessa mesma vontade se acha também um impulso aparentemente oposto do espírito, uma brusca decisão de não saber, de encerrar-se voluntariamente, um fechamento das janelas, um dizer não interiormente a essa ou àquela coisa, um não-deixar que algo se aproxime, um estado defensivo de tornar muita coisa conhecível, uma satisfação com o obscuro, com o horizonte que se fecha, um acolhimento e aprovação da insciência: tudo isso necessário, conforme o grau de sua força apropriada, de sua ‘força digestiva’ voando uma imagem e realmente o ‘espírito’ se assemelha mais a um estômago” §(137).

– Esse homem “transubjetivo”, que hoje construímos, tem um caráter próprio, comprometido em manter a violência. O Estado, por sua vez, tem o poder de perpetuar e manter esse espécime de homem. Nossa inexperiência democrática é antes de tudo antidemocrática, quando permite e dá esse poder ao Estado. Assim, o Estado perde seu bem mais precioso, o cidadão. O prejuízo para a nação, ao não reconhecer esse problema, tira-nos a oportunidade de termos cientistas, pensadores, políticos e outros profissionais necessários para mantermos a ordem, num regime em que haja o Estado e a democracia. Portanto, estamos à mercê de uma tirania governamental, numa sociedade em que homens destroem almas, destroem vidas, destroem um modo de ser pacifico. Destroem o futuro para aqueles que poderiam ter um, mas infelizmente morrem como culpados de serem como são; morrem como culpados do narcotráfico, dos assaltos, dos contrabandos, enfim das ilegalidades.
– Cada vez pensamos menos, cada vez ensinamos menos, cada vez escreve-se menos; as escolas ensinam conteúdos mais singulares, menos complexos, mais superficiais. Em vez de ensinar o educando a ser cidadão (já que o Estado assim deseja), livre, o professor ensina o aluno a não ser, a não participar; e seu final é a morte ou um sistema carcerário. O espaço público desencoraja o aluno; estamos educando na contramão do saber, estamos atestando a burrice, a mediocridade; tudo em função do montante de projetos sem objetivos concretos para o universo comunitário escolar. A escola está doente, deixou de ter um lugar ao sol para se esconder atrás dos direitos humanos, atrás do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), atrás das ONG’s (Organizações Não Governamentais). Assim, resta-lhe apenas a escuridão, o caos, o fracasso e os mal sucedidos projetos retirados do reino das sombras, isto é, sem qualidade, sem objetivo claro. Tudo isso engole a escola com enorme perversidade, comprometendo toda a existência de uma geração futura. Assim, deixa-se a perder de vista todo o futuro de um país subdesenvolvido, no que diz respeito à educação, à miséria, à violência e à distribuição de renda, mesmo sendo a oitava economia do mundo.
Bangse não conseguia deixar a escola de lado, pois foi ali, entre os iguais, menos favorecidos financeira e intelectualmente, que compreendera toda sua existência. Foi ali que ele aprendeu a respeitar e amar ao próximo e à diversidade. Na escola, ele absorveu todo seu conhecimento dos livros, porém nunca conseguiu passar aos alunos. Não por incompetência! Não por desafeto ou má vontade! Sim, porque ninguém o ouvia, ninguém lhe dava atenção: nem alunos, nem direção, nem tampouco os governantes. Para Bangse, os governantes apenas entram na escola pública para votarem e pedir voto.
– Se os governantes tivessem o mínimo de compreensão da vida, jamais desejariam ser governantes. Eles sempre serão oligárquicos, sempre serão o governo de poucos; não importa se são de direita ou esquerda, sempre governarão para poucos e jamais pensarão em construir pessoas com capacidade para entender toda essa situação. Os governantes têm total ignorância dos adultos que estão formando. Por um lado, pouco lhes interessam os adultos que formam; por outro, desejam construir pessoas fáceis de manipular. Para eles, apenas alguns poderão substituir os cargos profissionais da próxima geração, enquanto outros deverão ocupar o mundo do crime. O grande problema é que eles não estão conseguindo controlar a grande quantidade de crianças e adolescentes que estão se dirigindo para o mundo do crime. Isso porque os governantes não sabem que os alunos construídos na escola pública não sabem ouvir, que é o mínimo necessário para um diálogo e um convívio social (é importante lembrar que, na sua grande maioria, eles não têm problemas de audição).
Bangse retornou ao aluno:
– Podemos considerar que não preparamos o aluno para o mercado de trabalho, nem para as necessidades exigidas no comércio, nem nos órgãos públicos e ou nas instituições privadas sociais e educacionais. Isso incentiva profundamente o viver a violência, a ilegalidade, a prostituição. E os que escapam dessa maneira de ser servem a burguesia. Consideremos também que a sala de aula virou um laboratório das ciências sociais, um objeto de constantes tentativas e erros numa sucessão de fracassos. Paralelamente, o aluno, um ser em formação sem formação, faz parte de vários grupos de estudos e pesquisas sociais (a indústria dos mestrados e doutorados).
– Esses fatos dirigem meus pensamentos para Arendt. Ela prioriza a escola como espaço relevante das manifestações mais elementares da condição humana, as quais, segundo a autora, estão ao alcance de todo ser humano. Para ela, a atuação educativa faz a diferença, imbricando singularidade e pluralidade no espaço de probabilidades e possibilidades de ação. Decerto Arendt tem razão quanto ao espaço de probabilidades e possibilidades, principalmente porque a probabilidade e possibilidade de uma criança que estuda numa escola da periferia da capital (São Paulo e Grande São Paulo) tornar-se um criminoso do mais alto nível é bem maior que a de se transformar em um cidadão de bem. Considerando o discurso de Arendt quanto a priorizar a escola, talvez sirva para uma escola particular de boa qualidade, mas para a nossa, pública e periférica, resta-lhe a construção de toda uma geração que, embora dirigida para o saber, destrói a si e aos outros.        
– Não desprezamos nem ignoramos as palavras de Arendt quanto a sermos iguais da infância à velhice. Para ela, os homens seriam “incapazes de compreender-se entre si e aos seus ancestrais”. Segundo ela, “se cada ser humano não diferisse de todos os que existem ou virão a existir, (...) não precisaria do discurso ou da ação para se fazer entender”, nesse sentido, fazendo de suas palavras as minhas: com simples sinais ou sons, poderíamos comunicar nossas necessidades imediatas e idênticas. Interpretemos que, se todo sentir e pensar, falar e se comunicar, toda ação fosse individual, seria impossível qualquer tipo de comunicação. Com isso, somente podemos nos comunicar porque temos um sentir, pensar e falar coletivo, semelhante. E há um paradoxo que podemos considerar uma normalidade: precisa haver uma singularidade e ao mesmo tempo uma coletividade para que possamos traduzir o sentir, pensar e falar através de nossa ação. Isso me permite dizer que existe uma necessidade de sermos coletivamente bons uns com os outros. Há uma necessidade de sermos iguais quanto ao tratamento e respeito por nós e pelo outro. Educar, dar bons conselhos, dirigir, enfim guiar o ser humano para uma vida que argumente o ser igual para ser diferente é uma questão paradoxal que transcende a pluralidade. É uma questão que singulariza o fazer pessoal do sentir, pensar e falar, que represente concretamente uma ação igualitária.

            Bangse acha que todos têm o direito de julgar a sociedade, desde que tenham o entendimento ou a “pura mediocridade” (no sentido de sermos como os pescadores da vila, que não foram contaminados pela banalidade da violência).
            – Cabe-nos, sim, julgar a sociedade como um todo. Veja-se o modo como queremos enganar o próximo e levar vantagem em tudo, em detrimento do outro. Se existisse um respeito mútuo não haveria necessidade do Estado. Surge aqui uma afirmação: o homem comete discórdias entre iguais desde seu surgimento. Por isso, a necessidade do poder do Estado e de suas leis para que o homem viva dentro de normas e regras, e aquele que não as cumprir que pague à sociedade como um todo.
– Se o homem em seu todo respeitasse o outro, para que o Estado? O Estado necessita da construção do homem desonesto e criminoso para sua sobrevivência. Se não houvesse o Estado e todos vivessem em comum acordo, certamente nos dias de hoje seria uma utopia, porém daqui a milênios assim será. Existirá o mais pobre e o mais rico, haverá discussões e desentendimentos, mas não a aniquilação do outro ou de seus bens. Poderíamos pensar: O comércio e as indústrias não explorariam seus trabalhadores? Se todos pensassem no bem comum, não! O comércio cobraria um preço justo para sua sobrevivência e assim repassaria aos seus funcionários, e as empresas a mesma coisa, porque ter o poder, o dinheiro seriam coisas do passado, da história dos homens. No passado existiram civilizações de antropófagos, e não é por causa delas que voltaremos a ser antropófagos. Pensem no holocausto, nas guerras, há piores modos de vida que esses? O mal que fez a bomba atômica e continuou deixando seu rastro de sofrimentos aos homens que nem sabiam o que era a guerra, é terrível, desprezível. Por isso, eu lhes digo: o Estado é o maior culpado de todas as coisas más que o homem já sofreu e continua sofrendo. A causa da infelicidade da raça humana é o Estado. Se ele não existisse, em vez de vivermos o sofrimento e pequenos fleches de felicidade, viveríamos a felicidade com pequenos fleches de sofrimento.
Bangse se preocupava com a inclusão.           
– É democrático atrasar a aprendizagem de uns para atender outros com problemas mentais? É importante destacar que numa sala de aula há somente um professor que não tem especialização para trabalhar com os vários tipos e níveis de problemas mentais? É democrático crianças com problemas físicos e mentais serem escachados como “aleijadinho” ou como “louquinho” pelos outros alunos? É democrático um jovem recém-libertado da FEBEM, com passagem de roubo e homicídio, estudar com o meu filho, com o seu filho? É certo que cada caso é um caso; sendo assim, há casos que merecem e justificam a inclusão. Por um lado, aquele que praticou um crime tem o direito e dever de estudar; por outro lado, aquele que nunca praticou nenhum crime tem o direito de não querer estudar com o praticante. O que fazer? Parece-me que tais inclusões têm mais a intenção de minimizar custos. Enfim, as afinidades que cercam todos os envolvidos na inclusão sustentam reciprocamente as relações vividas na escola, despersonalizando o aluno. Isto é, exclui em vez de incluir,  excluindo, às vezes, os já inclusos quando se trata das relações com as LAs (Liberdade Assistida).           

Bangse observou como os professores avaliam seus alunos no contexto social:
– Comecei a perguntar para os professores: “O que faz um aluno ser bom ou ruim?” “Qual sua relação com os alunos?” “Como é o relacionamento entre os alunos?” E cheguei à seguinte conclusão: O professor vê o aluno como uma criança, independente da idade, sem futuro; uma criança sem princípios, que não possui atributos nem pré-requisitos para sentar em uma cadeira e prestar o mínimo de atenção na aula dada. Uma criança sem educação, que pretende assim continuar, que não quer  nem se interessa, com raras exceções, em ser educado. Para os professores, o aluno vai à escola para comer, para se divertir: seus divertimentos são brigar, ofender e ou bater em professores, pichar a escola, quebrar carteiras, roubar o que pode (lápis, dinheiro, etc.). Para ele, pouco importa aprender os conteúdos ou a ter o mínimo de educação.  
– Ao conversar com a Professora Antônia, 53 anos, ensino fundamental, disciplina geografia, ela me disse: “Antigamente, a maioria dos alunos sentavam e assistiam às aulas, brigavam ou depredavam a escola. Era bem mais fácil observar a melhora em sua sociabilidade. Hoje, praticamente todos são piores que os piores de dez anos atrás. O pior há dez anos era melhor que o melhor, digo, o mais comportado de hoje. Procuro sempre dar uma nota melhor para aqueles que pelo menos sentam de vez em quando, mas é difícil”.
– Outro depoimento que me chamou a atenção foi o da Professora Zélia, 44 anos, substituta que acabara de lecionar numa sexta série, cerca de quarenta e oito crianças de 12 a 14 anos: “Acabei de dar uma aula em que um aluno me levantou a mão para me bater, veja você! Eles não querem fazer nada, não respeitam ninguém. Acabei de apartar uma briga de meninas quando descia para a sala dos professores. É incrível, só leciono porque preciso pagar minhas contas”. 
Bangse gostava de ouvir os desabafos dos colegas.
– A professora Cleide, 46 anos, disse que “alunos que brigavam e bagunçavam muito, muito mesmo, hoje até que estão razoáveis; em compensação, há outros que pioraram”.
Conversou com uma professora na porta de sua sala, nos momentos finais da aula. Ela disse: “Quando um se machucar, levo para a diretoria”.
Bangse anotara várias das reclamações dos amigos professores durante os anos em que lecionou:
– A Professora Lúcia, de Português, sofreu ofensas verbais de um aluno. Ele a chamou de todos os palavrões possíveis e terminou com a seguinte frase: “Eu ganho muito mais que você fazendo o que faço, e nem preciso de faculdade para isso!”. Afinal, quem nós estamos formando? E para que estamos formando? A realidade é que a escola pública da periferia prepara o aluno para o mercado ilegal, das coisas fáceis, que não exige um comprometimento em acordar cedo, cumprir determinado horário de trabalho, ou mesmo para o trabalho autônomo.
– A situação do ensino é essa porque tudo deve ser elogiado: trata-se da famosa pedagogia do amor. Os alunos não devem ser contrariados, os trabalhos e afazeres escolares mais medíocres têm que ser valorizados. Esse mundo escolar, onde tudo que faço está certo ou mais ou menos certo, não exige uma escrita e uma leitura coerente com as faixas etárias e as séries. Tudo é inclusão, mas, na realidade, nada mais é que um depósito de lixo humano, onde crianças que acompanho desde a 5ª série, quando chegam à adolescência, ou estão presas nas FEBEMs ou estão mortas. Aqueles que sobrevivem são corrompidos pelo mundo ilegal das drogas, dos assaltos, etc. E os bem-sucedidos, que atingem o topo da pirâmide em conhecimento e alcançam o diploma, normalmente as do sexo feminino, chegam à caixa de um supermercado ou a serviços domésticos, nas casas de pessoas pertencentes à classe B ou C.
– Os professores reclamam, com razão, dos baixos salários, que é mais um dos motivos desestimulantes. Sem força e sem motivação, sem objetivos, os professores estão praticamente perdidos, sem esperança. Apenas passam o tempo, esperando ansiosamente a miserável aposentadoria. Assim, o professor, passivo à situação, com excesso de tarefas e obrigações em atividades relacionadas ao contexto escolar, cai em depressão somada à falta de vigor físico e emocional; vai direto para o hospital do servidor público. Nota-se que o timbre de sua voz cai, o brilho de seu olhar diminui e sua atenção e memória são afetadas significativamente. Eles ficam enfraquecidos, cansados e mal humorados. Esse é o verdadeiro contexto escolar, que destrói professores, crianças e adolescentes, demonstrando a incapacidade da elite educacional em organizar e elaborar políticas públicas que estabeleçam a ordem social. Dessa forma, o país, cada vez mais, sobe no ranking das desgraças, dos desacertos, da fome, da miséria, da corrupção, do índice de criminalidade. Afinal, conseguiram matar o professor em sala de aula, convenhamos, ele está realmente morto.
 
                                    O RESPEITO AO OUTRO                     

Bangse refletiu como seria uma civilização sem o Estado.
– Os países, os estados, os municípios, os bairros e as ruas apenas funcionariam como localização e referência para os seres humanos. Se todos se “respeitassem” e “respeitassem” o bem do outro, independente de ser rico ou pobre, talvez não existisse o paupérrimo. Se todos se “respeitassem” e “respeitassem” o bem do outro, não haveria a necessidade de um Estado e a imposição de suas leis, tudo seria privado. Não haveria impostos, arrecadações nem haveria necessidade de multas de qualquer tipo, até porque todos se respeitariam mutuamente, portanto não haveria desvio de dinheiro público, corrupção, etc., até porque nada seria público. Tudo seria privado!
Por exemplo: num caso de discórdia, ambas as partes contratariam um juiz, e cada um com seu advogado resolveriam à questão. Sem corrupção, venceria aquele que tivesse e comprovasse a real razão. Isso porque o juiz seria justo. Existiriam normas e regras para que se pudesse viver em paz e amigavelmente, mas não haveria a necessidade soberana de um Estado. No exemplo, o derrotado arcaria com a derrota e cumprimentaria o vencedor, como faz um atleta ao vencer uma corrida. As leis não seriam leis, seriam éticas de que todos teriam o conhecimento, o discernimento, a compreensão e a capacidade de ingerir ou regurgitar seus erros.
– O homem sem Estado seria capaz de entender quando Jesus Cristo disse: “Perdoai-os, Senhor, eles não sabem o que fazem!” Cristo sabia que aqueles homens construídos pelo Estado não tinham discernimento para compreender quem eles eram. Não me refiro aqui à religião, ou um apego a um Cristo religioso! Refiro-me a um homem pregado numa cruz, em sofrimento, com um monte de pessoas zombando e rindo de seu sofrimento. O Estado, eloquente, construiu aquelas pessoas para serem perversas e agirem daquela forma não apenas naquela situação como em qualquer outra.  Sem o Estado, não haveria crucificação, até porque era a lei da época. Cristo, de certa forma, tinha o conhecimento quando dizia: “Dê ao homem o que é do homem e a Deus o que é de Deus”, porque ele se referia ao Homem Estado, ao Homem Poder. Se por um lado Platão§defendia o Estado, Cristo defendia o homem livre. Platão afirmara-o em seu tratado “A República” como modo de vida ideal. Porém, antes dele, um sofista, Trasímaco, declarou que a força é um direito e a justiça é o interesse do mais forte. No Estado são estabelecidas as leis, cujo interesse determina o que é justo, punindo como injusto aquele que transgredir suas regras. Platão descreve que Sócrates, ao dialogar com Gláucon e Adimanto, salienta que a justiça é uma relação entre indivíduos e depende da organização social.
– Platão enfatiza que para se ter uma sociedade perfeita tudo tem que começar do zero. Em resumo: primeiramente teríamos que tirar os filhos das mães, em seguida ensinar a eles um modo de vida sem ganância, sem luxo e excessos, típico modelo dos homens ricos de Atenas; teríamos de construir homens que se contentem com o que possuem e não desejem as coisas de terceiros. Já naquela época, Platão achava um absurdo aquele que adquirisse mais votos ocupar cargo de alta valia, porque nem sempre o mais votado é o mais competente para tal cargo. A metodologia de Platão é inviável, pois não percebeu que o grande culpado da “República” era o poder do Estado.
– Para se ter pessoas justas, fiéis a bons princípios éticos, devidamente equilibradas, com bom senso, teríamos que aniquilar o Estado. Cristo sabia disso. Tanto que disse: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e quem vive e crê em mim, nunca morrera” (João 11:25-26). De certa forma, ele sabia que aquilo iria matá-lo; qualquer um que se colocasse acima do Estado, como ele se colocou, morreria daquela maneira. Sabia que, para ser livre, o homem teria de ser bom e justo. Apenas os sábios (entre estes, podiam estar o rico, o pobre que praticassem o bem e a caridade com a natureza e com o próximo) e os filósofos seriam capazes de ser bons e justos.
– Platão escreveu que, segundo Sócrates, para impedir a corrupção e a incompetência no poder público é preciso criar um método eficaz de combate a essa maledicência. Porém, atrás desse problema, estaria a psyké (alma) humana. Para Platão, tal problema vem de três fontes principais do ser humano: o desejo, a emoção e o conhecimento, que fluem do baixo ventre, coração e cabeça, respectivamente. Para um bom governante, um homem apto a governar, as três fontes deveriam estar perfeitamente equilibradas; para isso, é necessária muita sabedoria e uma longa preparação. Platão assume que o mais indicado para esse cargo seria o filósofo: “enquanto os filósofos deste mundo não tiverem o espírito e o poder da filosofia, a sabedoria e a liderança não se encontrarão no mesmo homem, e as cidades sofrerão os males”.
Bangse assim refletiu sobre essas ideias: 
 – O filósofo, o sábio, jamais vai querer liderar para comandar. O filósofo, com tais características, jamais gostaria de assumir tal poder. Platão erra! Platão está errado! Um mundo comum, um mundo igualitário, em que a diversidade existiria enquanto diversidade, em hipótese alguma necessitaria de um líder, e sim de uma população de sábios e filósofos. Os homens comuns devem ser educados para transcender os limites da aprendizagem medíocre existente na educação atual. Precisam conhecer e ultrapassar as possibilidades a partir da superação que o Estado com todo seu poder inibe.
– Todas as manifestações de aprendizagem, das quais os indivíduos podem formar uma representação psíquica, através de quaisquer sistemas de signos, devem ser substituídas pela concreta aprendizagem com a natureza e com outros homens sábios. Aqui surge uma pergunta: como fazer isso? A resposta é: leiam! A partir do momento que tivermos uma população com o hábito de leitura, uma população consciente de suas ações, centrada na compreensão do mundo natural, social, histórico e religioso, talvez  possamos organizar-nos e reajustar-nos como verdadeiros seres humanos. Seres equilibrados, vivendo pacificamente no mundo cultural que nos rodeia. O livro é um instrumento decisivo no desenvolvimento do homem livre e equilibrado, do homem que não busca o poder para si e sim para o coletivo. Para o coletivo, no sentido total da palavra, isto é, que abrange as coisas e as pessoas, que pertence ao homem e à natureza.
 – Entretanto, não podemos pensar no coletivo como o sucesso de alguém em detrimento de outro; um exemplo é destruir um espécime em beneficio de outro. O homem deve descobrir em seu mais puro íntimo o reflexo do cosmo como princípio unificador da supremacia humana, que é o conhecimento. O livro dá ao homem a experiência e o conhecimento necessários para estabelecer bases que transcendem o simples saber pelo saber. É o único meio de alcançar o conhecimento do mundo fenomênico.









               DEBATE: BANGSE X ZARATUSTRA

Provavelmente o eleitor tenha curiosidade como seria o debate entre Bangse e Zaratustra§. Assim, Bangse descreve como seria na sua visão tal debate.
Sobre a Alma:
– “Eu sou por inteiro corpo e nada mais”. Não há como negar o corpo, se o corpo é o ser próprio, isto é, tudo que sei de minha existência. A alma é um instinto   ligado à ação ou movimento. Os metafísicos exibem seus pensamentos com uma colossal violência contra o corpo, feita no processo de contenção dos instintos, que é chamada interiorização de si – em busca da alma. “Todos os instintos que não se descarregam para fora se voltam para dentro. – Isto é o que eu chamo de interiorização do homem, é assim o que no homem cresce e que depois se denomina sua alma”.  Eu vos digo que a alma é isso. – disse Zaratustra, olhando fixamente para Bangse e, em seguida, perguntou: O que pode me dizer sobre a alma? 
– A alma é simplesmente o equilíbrio das emoções e dos desejos construídos. – disse Bangse.
            – Tu és simplório demais para meu gosto! – falou Zaratustra.
            – Sim, este sou eu! – exclamou Bangse.
            – O que achas que és, meu caro Bangse? – indagou Zaratustra que, ao mesmo tempo, respondeu: – Tu nada mais queres que te tornares um Super-homem.
            Agindo exatamente como Zaratustra, Bangse olhou fixamente para os olhos de Zaratustra; depois, abaixou lentamente a cabeça e respondeu com uma pergunta:
            – O que entendes ser um Super-homem?
            – Como lerás em meus escritos, homens superiores são “Homens animosos, corajosos! Homens francos!” – respondeu Zaratustra, sem aprofundar-se muito.
            – Tu mesmo disseste: “Desprezastes homens superiores”: é isso que me faz esperar, porque os grandes desprezadores são também os grandes reverenciadores. – disse Bangse, voltando a olhar fixo nos olhos de Zaratustra. Tu desprezaste Cristo,  desprezaste Buda. Se quiseres reverenciar alguém, que assim seja; se não queres, que assim também o seja.  
– Por que defendes homens que pregam a igualdade se não somos iguais? Há os dominantes e os dominados. É assim na natureza e nas coisas. Assim é, e assim será. – afirmou Zaratustra, não deixando intimidar-se com os olhos de Bangse.
– Num paradoxo, homens dominantes também são dominados, ou pelo poder ou pelo conjunto de homens que eles dominam, assim temos um equilíbrio. E na natureza, tanto os vegetais, os animais como as coisas se equilibram quando mantêm a harmonia que gera outras vidas, outras coisas. É a lei natural das coisas, tudo se transforma para gerar outras vidas, outras coisas.
– Pois continuo a afirmar: “Para mim, o Homem superior é o primeiro e o único, e não o homem: não o próximo, o mais pobre, nem o mais aflito, nem o melhor”. O equilíbrio de que tanto falas nada mais é que outra força.
– Tu mesmo disseste: “O que eu posso amar no homem é ele ser uma transição e um fim”. Se o homem é uma passagem, que mal há em alguém que prega o amor ao próximo, ou o cuidado com o outro. É um bom modo de viver, sendo retribuído da mesma forma. Que mal há em ser pacato e modesto. Por que temos que ser senhores do mundo e não senhores de nós mesmos? Por que temos de ser senhores dos outros? – indagou Bangse.
– Não entendeste nada! Repetirei mais uma vez: “Subjugai-me esses senhores atuais, subjugai-me essa gentinha: é o maior perigo do Super-homem”. – sorriu Zaratustra, acreditando fielmente que não obteria uma boa resposta de Bangse.
– Sei exatamente a que homens te referes. – disse Bangse, antes que Zaratustra voltasse a falar. O homem superior que desperta, como você mesmo pergunta e diz em seguida: “Tendes valor, meus irmãos? Estais decididos? Não falo de valor, perante testemunhas, mas de valor, de solitários, valor de águias, do que não tem por espectador nenhum deus”.
Zaratustra percebeu que Bangse o conhecia muito bem, mas não aceitava ser interpretado por um medíocre professor.
– “As almas frias, os cegos, os bêbados não têm o que eu chamo coração. Coração tem aquele que conhece o medo, mas domina o medo; o que vê o abismo, mas com arrogância”. “O que vê o abismo, mas com olhos de águia; o que se prende ao abismo com garras de águia: é este o valoroso”. “O homem é mau” – falou Zaratustra.
– Que mal há em ser bom? Em ter medo? Tu afirmaste que o “mal é a melhor força do homem”. E também que o “maior mal é necessário para o maior bem do Super-homem”. – Bangse se preparou para um longo discurso. A humildade me parece o maior bem de um possível Super-homem. O humilde está livre da responsabilidade de se tornar um Super-homem. Por si, ele é o cordeiro, pois se mantém em equilíbrio entre o bem e o mal – Bangse disse, referindo-se à população em geral e novamente utilizou os dizeres de Zaratustra quanto aos homens superiores. Sei que disseste: “Só assim cresce o homem até à altura em que o raio o fere e aniquila! Há suficiente altura para o raio!”, porém não acredito ser este o duradouro do “ser do homem”, com certeza é o que irá cegá-lo. Sei que não há como interferir em tamanha desigualdade globalizada§. – Zaratustra continuou a ouvir atentamente, esperando uma oportunidade para falar no momento certo.
Bangse prosseguiu:
– O erro de um possível homem superior a que te referes é que “a ausência de ardor difere muito do conhecimento”, e Tu não crês nos “espíritos frios”. Tu disseste que quando “pode mentir ignora o que é a verdade”; na realidade, ele precisa do outro para sobreviver, necessita do outro para manter-se em erupção, precisa do outro para ser o que é, deve ter essa consciência e tratar o outro como igual, um outro Super-homem, por mais humilde que este seja. Assim, a harmonia, o equilíbrio no tratar o outro, no tratar o próximo, no acreditar num possível Deus fará desse Super-homem um verdadeiro Ser-homem.
Zaratustra tentou interromper Bangse, dizendo: “a vossa vontade, eis o vosso próximo”. Bangse não se deixou intimidar e continuou seu discurso:
– Não acredito que, como afirmaste, “pelo próximo não passa de virtude dos pequenos”; não acredito que tal gente não tenha o direito nem a força de entender aquele que disse: “Uma mão lava a outra” ou “Como fizeres assim acharás”. O egoísmo, como a vaidade demasiada destroem a alma, amarguram o coração, levando o sujeito a doenças somáticas. O amor próprio não é nada sem o amor ao outro.
– Não sei como ainda não foste crucificado! – exclamou Zaratustra ironicamente.
– Já sou crucificado em vida. Esqueceste que sou professor na periferia da cidade de São Paulo, no Brasil. – disse Bangse, com um sorriso de Monalisa entre os lábios.
– Como já disse anteriormente aos homens, repito: “Não queirais ser mais virtuosos do que vos consentem as próprias forças. E não exijais de vós coisa que seja inverossímil”. Entendeste ou queres que te explique melhor? – Ao mesmo que Zaratustra perguntava não queria ser interrompido; por isso, continuou: – Isso quer dizer que “aquele que quiser ser o primeiro livre-se de não ser o último. E não coloqueis a santidade onde estejam os vícios de vossos pais”. Sabes muito bem do que falo.
– Uma hora dizes que não entendo; outra, que sei muito bem o que falaste! – Mais uma vez, Bangse permaneceu com seu sorriso de Monalisa entre os lábios. – A verdade é construída por Vós; Vós construístes vossa verdade; Eu construí a minha. E cada Ser homem que construa a sua. Porém, antes deves saber, deves conhecer através dos livros, da História, dos homens, dos filósofos, da política, da vida. E somente após esses conhecimentos deverás construir a tua verdade. São necessários pré-requisitos para construirmos nossa verdade. É preciso conhecermos nossos desejos e sabermos sobre a nossa psique para podermos lhe dar com a verdade. Ela não está no sádico, no perverso, no egoísmo. A verdade está em vós, em vosso sorriso, em vossa tristeza.
Pegando uma palavra de Bangse, Zaratustra iniciou sua versão da verdade:
– Esqueceste o que falei sobre o sorriso? – Olhou dentro da alma de Bangse e perguntou: – “Qual tem sido hoje, na Terra, o maior pecado? Não foi a palavra daquele que disse: ‘Pobres dos que riem aqui?’”
– Acho que não compreendeste direito essas palavras. – falou Bangse.
– “Seria porque não encontrava na terra nenhum motivo de riso? Então procurou mal. Até uma criança encontra aqui motivos”. Ele provavelmente não amava bastante, senão “amar-nos-ia também a nós, risonhos! Mas anatematizava-nos e odiava-nos, prometendo-nos gemidos e ranger de dentes”. Essa é a tua verdade? – indagou Zaratustra. “Por não se amar é logo maldizer? Isso é coisa de mau gosto. E foi o que fez aquele intolerante, saíra da populaça”. – balançou a cabeça e, fixando o olhar em Bangse, continuou: “Ele é que não amava bastante; senão irritar-se-ia menos por não ser amado”. Acredito que Tu és igual: “o grande amor não quer amor: quer mais”. Tu e tua verdade, Tu e tua maledicência. “Afastai-vos do caminho de todos esses intolerantes! É gente pobre, enferma, plebéia; olham esta vida malignamente, dão mau-olhado à Terra”.
– Primeiro: ao referir-se aos “pobres dos que riem aqui”, ele disse em relação àqueles que desfazem do outro, que riem da desgraça alheia, que aproveitam da fraqueza dos menos favorecidos. Segundo: ele pretendeu mostrar que a vida é difícil, que podemos ser “menos piores”. Podemos ser menos egoístas, menos orgulhosos, menos vaidosos e, sobretudo, menos infelizes. – disse Bangse.
– Às vezes Tu me pareces tão sábio em tua fala, mesmo eu sendo contra. Por vezes me pareces tão medíocre. – retrucou Zaratustra com ar sarcástico e prosseguiu: – “Todas as coisas boas se aproximam do seu fim por maneira tortuosa. Como os gatos, arqueiam o lombo e rosnam interiormente, recreando-se com a sua próxima felicidade; todas as coisas boas riem”.
– Rir de nossas desgraças é saber conviver com o que passou. Rir da desgraça alheia é maledicência, perversidade. Cada um deve saber quando rir e quando chorar ou quando rir e chorar. O gato se espreguiça ao sol, brinca com o rato, por vezes até o come, mas quando se defronta com o cão é difícil recrear-se com sua próxima felicidade. – disse Bangse, enquanto esfregava uma mão na outra.
Zaratustra saiu do assunto e perguntou:
– Do que tens medo, Bangse? Por que essa mania de sempre esfregar uma mão na outra? Tens frio?
– O que desejas que responda? – indagou Bangse – Por que foges do assunto?
– “Eu, Zaratustra, o dançarino, Zaratustra, o leve, o que agita as suas asas prontas a voar, acenando a todas as aves, ligeiro e ágil, divinamente leve e ágil; eu, Zaratustra, o adivinho, Zaratustra, o risonho, nem impaciente nem intolerante, afeiçoado aos saltos, eu mesmo cingi esta coroa”. Tu tens medo da solidão, de não seres amado. Tu tens medo que teu Deus te abandone. Tens medo da loucura. É assim que te vejo. – respondeu Zaratustra.
Pareces-me um bom bailarino. É assim que queres que eu te veja? O perfeito Super-homem, capaz de saber tudo sobre o homem, sua existencia, sua felicidade, sua amargura. Como Tu mesmo disseste: “Alçai as pernas, bons bailarinos, e suster-vos-eis até a cabeça”. Antes que digas que não entendi, quero dizer que sei perfeitamente o que quiseste afirmar. – replicou Bangse. 
Zaratustra se empolgou, como quem fala a uma grande multidão: 
“Mais vale estar doido de alegria do que de tristeza; vale mais dançar pesadamente do que andar claudicando. Aprendei, pois, comigo a sabedoria: até a pior das coisas possui dois reversos, até a pior das coisas tem pernas para bailar; aprendei, pois, vós, homens superiores, a afirmar-vos sobre boas pernas”. “Esquecei a melancolia e todas as tristezas da populaça. Como hoje me parecem tristes os arlequins plebeus! Mas isso hoje pertence à populaça”.  “Fazei como o vento quando se precipita das cavernas montanhosas; quer dançar à sua vontade. Os mares tremem e saltam à sua passagem”. “Louvado seja aquele que dá asas aos burros e ordenha as leoas, esse espírito bom e indômito que chega como um furacão para tudo o que é de hoje, para toda a populaça! Louvado seja o inimigo de todas as folhas murchas; esse espírito de tempestade, esse espírito selvagem, bom e livre que dança nos atoleiros como no meio dos prados!  Bendito seja o que odeia os cães da populaça e a toda essa ralé malograda e sombria! Bendito seja esse espírito de todos os espíritos livres, a tempestade risonha que sopra o pó nos olhos de todos que vêem negro e estão ulcerados. Homens superiores, o pior que tendes é não haver aprendido a dançar como é preciso dançar: a dançar por cima das vossas cabeças! Que importa não terdes sido felizes? Quantas coisas são ainda possíveis! Aprendei, portanto, a rir por cima de vós. Elevai, elevai cada vez mais os vossos corações, bons bailarinos! E não esqueçais também o belo riso! Esta coroa do risonho, esta coroa de rosas, lanço-a eu para vós, meus irmãos! Canonizei o riso; aprendei, pois, a rir, homens superiores!” Onde está teu Deus, Bangse? Para mim, “Deus está morto”. – Assim falou Zaratustra.
Compreendo o que dizes. Falaste com a alma, com o coração. Tu com tua sabedoria, num paradoxo, me fazes acreditar num Deus. Sei que acreditas que a religião, o Cristianismo, leva o homem em busca de uma verdade extraterrena, afastando o homem da realidade. Acreditas que a moral pregada pela igreja nega os instintos humanos através do conceito de pecado.
Bangse sabia que toda vez que esfregava uma mão na outra desviava o olhar de Zaratustra para suas mãos, por isso fazia frequentemente.
Porém, Tu já ouviste falar das parteiras do nordeste brasileiro, seus depoimentos, sua simplicidade, seu amor ao fazer um parto e ver a vida de uma criança em seus braços, ali vejo Deus. Quando ouço as músicas de Mozart, Beethoven, entre outras da música clássica renascentista, que poderia citar com  muitas linhas, e alguns compositores de meu tempo como Baden Powel, Yamandu Costa; ou quando vejo os quadros dos grandes pintores, o equilíbrio nas formas, na discordândia, na harmonia, na revolta, na história, nas emoções, nos sentimentos; ou mesmo na tecnologia, na ciência, na literatura, na filosofia, na medicina, na química, na física; ou nos sobreviventes, nos mendigos, nos deficientes; ou no entrelaçamento em que vive a sociedade, suas formas, suas relações, suas culturas. – Bangse esfregava uma mão na outra enquanto discursava: Deus não é simplesmente a conversa internalizada de ti contigo mesmo, Deus é o “Qi Pleno”, o puro equilíbrio, o homem, o Super-homem, não o teu Super-homem, mas o nosso Super-homem. Aquele que não é Bom nem Ruim, apenas é. E ao mesmo tempo se encontra entre o Bom e o Ruim, exatamente em seu equilíbrio.
Prove! – exclamou Zaratustra.
– No equilíbrio não há vitorioso, no empate não importa a quantidade; é sempre o equilíbrio em seu infinito que permanece. Um emaranhado de linhas pode estar equilibrado, não são necessárias duas retas paralelas perfeitamente iguais para se estar em equilíbrio. Equilíbrio não é ser igual.     
O que é o “equilíbrio infinito”? – perguntou mais uma vez Zaratustra.
É o equilíbrio material, corporal/físico, da alma. Material: forças que emergem  da matéria; corporal, físico é o homem em si, seu sistema nervoso, seu cérebro, seu corpo como um todo no espaço; a alma, o social, o cultural.
            O homem é escravo de sua cultura. – disse Zaratustra.
            Não necessariamente! – falou Bangse.
            Sobe em mim e te levarei com minhas asas voando. Viajando pelo teu tempo, eu te mostrarei onde está teu Deus. – disse Zaratustra.
            Não preciso de asas para voar. Vamos? – indagou Bangse sobre a partida.
            Ok! Vamos! – Zaratustra ironicamente o chamou e partiu primeiro.
Voando no alto, os dois passaram pela cidade e Zaratustra, apontando para uns mendigos deitados e lendo, disse:
Onde está teu Deus?
Em seguida, ao verem algumas crianças fumando craque, Zaratustra indagou mais uma vez:
Onde está teu Deus?
Ao passarem por um presídio em que estava havendo uma briga entre os detentos (briga interna), Zaratustra perguntou:
Onde está teu Deus?
Mais à frente havia um hospital com muitos enfermos e pessoas entrando na emergência devido a um acidente; Zaratustra perguntou:
Onde está teu Deus?
Zaratustra propôs ir mais rápido em direção ao norte e nordeste do Brasil. Bangse aceitou e partiram voando bem alto.
Após algum tempo sobrevoaram o centro do Brasil e Zaratustra quebrou o silêncio:
Nem vou comentar o que ocorre aqui embaixo. – Ironicamente Zaratustra falou para Bangse: Sem comentários! Em que lugar se encontra teu Deus? Será que é aqui?
Mais um tempo se passou e novamente Zaratustra quebrou o total silêncio:
Chegamos. Olhe aquelas crianças, aquela família! Todos passam fome. Não passarei pelo sul, onde ocorreu a enchente em Santa Catarina: mais fome, pessoas perdendo tudo, inclusive a vida dos amigos e parentes. Onde está teu Deus? Como  podes ser feliz com tanta miséria e desgraça? Acho melhor eu parar por aqui. O que tens a me dizer? Será o xeque-mate?
De novo, o silêncio permaneceu durante a viagem em que ambos voltaram para São Paulo. E Zaratustra finalizou com:
Esta é minha cartada final. O que tens a me dizer?
Em primeiro lugar não sou totalmente feliz. Vivo em equilíbrio, em harmonia com meus momentos de tristeza e felicidade. Entre o bem e o mal há o bom e o ruim; entre a vida e a morte há alegria e sofrimento. Em seguida, Bangse abriu os braços dizendo: Entre minha mão esquerda e a direita há meu coração. Aquele que muito tem sofre mais quando perde do que aquele que nada possui. A pessoa que come muito sofre mais pelo excesso§ do que a que passa fome. A doença e a pobreza fazem parte da vida como a saúde e a riqueza.
Zaratustra interrompeu Bangse:
E daí?
Daí que a vida é o momento, é o sofrimento, é a alegria. Todos que nascem têm direito à vida, sendo ela curta ou longa, tenha ela dificuldades (doença, miséria, etc.). O segredo é saber viver todo momento. Encontrar o equilíbrio onde houver tristezas, onde houver enfermidades, onde existirem desavenças. Cada um de nós tem a capacidade de autorreformularmos, autoajudarmos, autoestabelecermos uma união entre a causa e o efeito, entre o momento vivido, o que passou e o que está por vir. Se esse momento for um sofrimento, encontraremos momentos de alegria. Podemos achar alegria no sofrimento. Podemos ser felizes mesmo no momento de fome e miséria. Nem a felicidade nem tampouco a tristeza são eternas; são apenas momentos. Já a vida é eterna; e se acaba, não é vida, é momento. disse Bangse.
Zaratustra balançou a cabeça enquanto ouvia atentamente as palavras de Bangse. E como num susto, interrompeu-o repentinamente:
Tu usas as palavras arbitrariamente! Procuras conceituar e explicar de modo muito subjetivo. Tens que tomar cuidado, pois “todo conceito nasce por igualação do não igual. Assim como é certo que nunca uma folha é inteiramente igual a outra. É certo que o conceito de folha é formado por arbitrário abandono dessas diferenças individuais, por um esquecer-se do que é distinto, e desperta então a representação, como se na natureza além das folhas houvesse algo que fosse ‘folha’. Eventualmente uma folha primordial, segundo a qual todas as folhas fossem tecidas, desenhadas, recortadas, coloridas, frisadas, pintadas, mas por mãos inábeis, de tal modo que nenhum exemplar tivesse saído correto e fidedigno como cópia fiel da forma primordial”. Por alguns momentos prefiro quando utilizas explicações nas quais usaste teu argumento do equilíbrio, do universo, do cosmo, etc. É bem mais atraente que essa justificação um tanto poética. Tu sabes que o signo verbal nos engana quando tentamos desdobrá-los em realidade. Fala-me da tua língua, da tua história, da existência do infinito, do nada, do nirvana, da existência de um possível Deus e seu “Qi Pleno” e partirei derrotado.
Certo, meu caro Zaratustra! Tu vives o estado evolutivo do cosmos, em que o universo vai se expandindo com velocidade constante, através do tempo infinito. E o universo resulta de uma brusca explosão da matéria original bastante densa que a princípio se expandiu e aos poucos vai decrescendo devido à força que a atração gravitacional opõe a tal expansão. Eu vivo o entrelaçamento de várias explosões infinitamente equilibradas do big-bang ao big-bang, de infinitos círculos de existências. Tu reforças a ideia do universo evolucionário através da vontade de potência,  identificas a vontade de potência com a vida e com tudo o que existe no universo, com a densidade, a matéria dos cosmos e a própria geometria do espaço e suas curvaturas, com o pensamento, a emoção, a alma. Por outro lado, Eu, o medíocre Bangse, busco o equilíbrio em sua forma mais pura e infinita, sem proporções de tempo, espaço, velocidade, distâncias; não há um tipo de universo fechado, um “efetivar-se da força” com poder absoluto, como a tão bem apresentada por Vós “vontade de potência”. Há equilíbrio infinito e pleno nas reações químicas constantes da matéria, em que o pensamento, a emoção, a alma e a própria vida são tipos de reações equilibradas termonucleares que se fundem. Olha: o universo está cheio de incontáveis corpos materiais§. A “Caprichosa”, estrela conhecida como companheira de “Sírius”, é uma anã branca de densidade cuja matéria é tão densa que quinze centímetros cúbicos dela pesam aproximadamente uma tonelada na Terra. Sua densidade é tão forte que seu campo perturba os movimentos de “Sírius”. Porém, vivem num absoluto equilíbrio.
Isso somente justifica a vontade de potência. – disse Zaratustra.
Esfregando a mão na outra, Bangse continuou:
Não! Não! Assim é o princípio da relatividade geral. Apesar de ser, em aparência, forçosamente infinito, e como jamais imaginado, o equilíbrio é absolutamente infinito (“Qi Pleno”). Como os próprios astrônomos concluíram, há 0,000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.001§grama de matéria por centímetro cúbico de espaço. Isso porque eles não consideraram os infinitos ciclos de explosões do big-bang ao big-bang.
Ambos permaneceram em silêncio por alguns instantes e Bangse não parou de esfregar a mão na outra. Antes que Zaratustra falasse, Bangse estava prestes a completar seu argumento:
Como vês, meu caro Zaratustra, o “Qi Pleno” é exatamente todo pensamento que presenciaste até o momento, tanto seu, quanto meu. É o equilíbrio entre aqueles que consideram em verdade as tuas palavras e aqueles que consideram as minhas palavras. Porém, o equilíbrio não para por aí:
Amor = 4 letras
Deus = 4 letras
Zaratustra, percebes que a soma é oito. O oito deitado é o símbolo do infinito. A palavra “infinito”, em português, tem oito letras. – disse Bangse com certo brilho nos olhos e continuou: O Planeta Terra possui quatro pontos cardeais (norte, sul, leste, oeste); somados aos seus quatro elementos (terra, água, ar e fogo), temos também o número oito. A Cruz conhecida há mais de 5000 anos pelos antigos Babilônios, Chineses, Egípcios e o povo Pré-Colombiano possui dois braços (um na horizontal e outro na vertical, que se cruzam no meio), que se prolongam para o infinito em direções opostas, céu e terra, tempo e espaço; observamos quatro pontas. Se somarmos aos quatro apóstolos (Mateus, Marcos, Lucas e João), também temos como resultado o oito, que deitado é o símbolo do infinito.
Isso é ridículo! – falou Zaratustra. Há muitos grãos de areia no deserto, mas quando termina o deserto acabam os montes de areia.
Acabam os montes de areia, mas podemos encontrá-los em qualquer parte, até no fundo do mar. E os encontramos em outros planetas ou até mesmo no espaço.
Não descerei tanto meu nível. Isso é ridículo! – disse mais uma vez Zaratustra, acreditando que as palavras de Bangse não passavam de uma filosofia oriental sem valor.
Shakespeare§foi feliz quando escreveu que “entre o céu e a Terra há muito mais mistério que a razão humana desconhece”. – prosseguiu Bangse. Faço uso dessa frase, pois “ela” me permite dizer que o infinito é um enigma, inexaurível ao ser humano. Isto é, a razão humana não conhece as possibilidades no infinito, até porque há infinitas possibilidades. A matemática nos empresta um delicioso sabor de trapaça às verdades anunciadas. Na matemática, se retirarmos um elemento a um conjunto infinito, restará não apenas um número a menos, mas exatamente o mesmo infinito de antes. Não importa quantas vezes você o repete e o resultado será sempre o mesmo. Ferrater§ possui vários conceitos de “infinito”, e o que mais me agrada é quando descreve: “o infinito é algo indefinido, por não ter fim ou limite”.
Nego-me a compartilhar de tanta asneira! – exclamou Zaratustra e saiu voando, a bater suas enormes asas. Dê-me como derrotado.
Bangse olhou para cima e gritou para Zaratustra:
Tu não foste derrotado; há um empate: 0 x 0, ao juntarmos:  
Bangse, introspectivo, viu Zaratustra apenas como um pontinho no céu:
Que ser fabuloso, apenas ele poderia escrever: “Aquele que escreve em letras de sangue e em máximas não pretende ser lido, mas aprendido de cor”.






                                                       FINAL

            Para o nada pouco importa a força. Para o nada tudo acaba em equilíbrio. Tudo entra em equilíbrio seja emocional, material, psíquico ou físico. O caos termina em equilíbrio. Na maioria das vezes, uma obra de arte é o equilíbrio do homem desequilibrado. Veja-se a natureza.
            O maior inimigo do homem é o Estado, porque ele tem o poder somente para si, causando um grande desequilíbrio, tirando a parte que cabe ao homem.
Diferente do que afirmava Nietzsche, Bangse expôs suas ideias:  
O maior inimigo, causa de tantos transtornos, não é a igreja, nem tampouco a religião. A religião apenas existe porque assim o Estado permite. O poder que o Estado possui admite uma ou outra religião, uma ou outra igreja. Religião ou igreja que lhe agrade ou lhe traga benefícios, seja através da preservação do poder do Estado, seja através do apoio daqueles que integram e constituem essas religiões.  O Estado trata as religiões como um departamento público, um ministério. Aquelas que mais lhe agradem têm os maiores e melhores benefícios. Por isso, caros amigos, eu vos digo que, sendo cordeiro da religião, Tu tens grandes possibilidades de ser cordeiro da igreja. Isso não quer dizer que não existam ou existiram grandes Homens nas Religiões ou Igrejas. Homens bons, justos que encontraram ali um caminho para ajudar o próximo, trabalhando em benefício do outro.

Bangse sabe “quanto” “o poder do Estado” exerceu influência sobre a construção da sua alma; e também “quanto” a religião influenciou no seu modo de agir e pensar. Ele tem conhecimento de quanto a igreja católica foi usada, ou como aliada das conquistas, escravizando, mudando culturas, perseguindo, matando em nome de um deus para beneficiar-se a si e aos seus (homens e estado). Também sabe acima de tudo:
O Estado tem poder sobre aquilo que tenho e, por vezes, tem poder sobre o que sinto. Porém, ele nunca terá o poder sobre aquilo que sou, em relação à minha alma. Em um paradoxo, o poder exercido pelo Estado influencia sua construção, mas ele não tem poder sobre aquilo que você procura ser; sobre seu “eu” com as devidas funções psíquicas§equilibradas, nesse entrelaçamento e combinações que formam seu consciente. 
Bangse não gosta do poder que o Estado exerce sobre os homens.
– O Estado dá ao homem a liberdade para pensar, favorece o sentimento de vaidade e de orgulho; o Estado lhe dá a sensação de domínio sobre si; o Estado o contempla com a intuição, com o desejo de pressentir o melhor, ou perceber aquilo que é melhor ou pior. O Estado possui o poder de ditar o modelo de vida a ser seguido. Porém, ao mesmo tempo em que Te liberta para pensar, te pune quando ages contrariando suas normas e leis; da mesma forma, favorece o sentimento de vaidade e de orgulho que apenas, e somente apenas, enobrecem aqueles que detêm ou visam a deter o poder.
Durante a juventude do homem e em quase todo seu processo de amadurecimento, o Estado lhe permitiu ter a sensação que tudo pode e tudo é permitido, e que tudo será um dia configurado, mas, quando chega à velhice, vê o quanto foi tolo. O Estado humilha, como humilhou os catadores de papelão, aqueles que estão submetidos ao seu poder. Aqueles que assumem o poder do Estado também não estão livres, vivem submissos pensando que esse poder pertence a “eles”. Porém, na realidade esse poder pertence a todo um sistema. A todo um complexo e refinado conjunto de princípios, regras, leis, interesses, etc. que originam e constituem o movimento que regula a ordem deste fenômeno, “O Estado”. Todo Estado é o “Triunfo da Vontade”.  Todo Estado é Nazista em maior ou menor grau. Todo Estado contraria o homem em seu “Qi Pleno”. Deus salve os anarquistas!
Os pensamentos de Bangse se misturam ininterruptamente:
Não sejas dócil, pois a docilidade afoga tua alma. Por outro lado, não sejas perverso, pois a perversidade infernizará tua alma. A docilidade te fará o bobo da corte. O cordeiro dos homens não sobrevive ao turbilhão no emaranhado das interações sociais. O cordeiro se torna escravo de si, infundindo obrigações que afogam a alma, amargurando-a, sufocando-a. E, com isso, adoece sua alma. A alma como está conjugada ao corpo, ao adoecer, danifica o corpo; o corpo dói, sofre e padece. A perversidade, tão má quanto a docilidade, tão inocente no seu âmago como a docilidade, faz com que a alma se torne inerte à própria vida. Assim, a perversidade leva à morte do corpo doentio.
A magnitude situa-se entre a docilidade e a perversidade, aqui se tem um equilíbrio. Não há força entre as forças iguais; o vazio, o nada prevalece. É o vazio, o nada que gera o equilíbrio de qualquer força, que aceita a força como ela é, que se deixa invadir por tudo e, numa troca, invade tudo. Ao contrário de Nietzsche que anuncia a “morte de Deus”§, reconheço a vontade de potência como apenas uma partícula do vazio, do nada. Eu anuncio a “vida de Deus” e dou a vida a ele, como Ele me deu a minha. Deus não como uma divindade suprema, mas sim Deus como a imensidão do vazio. Deus, como o vácuo no pote da cozinha. Deus, como as partículas que dão equilíbrio à natureza. Deus, como o centro da corda que gera o equilíbrio entre as duas forças iguais no “cabo de guerra”. Deus como o infinito, o qual não importa o quanto você acrescente ou tire, ele continuará o mesmo.
Prestes a concluir seus pensamentos, Bangse após longas noites de insônia falou:   Se a probabilidade do equilíbrio se iguala com uma força que puxe para um lado e outra que puxe para o outro, em sentidos contrários: a essência das forças está no vazio. De certa forma, em um dado momento ela se dispersará, cairá na existência do nada. O “Qi Pleno” é o vazio da existência, é o equilíbrio na sua mais alta complexidade, sem força, sem direção, sem ser, nem tampouco estar, é o Deus absoluto, Único, Completo; está em tudo, ocupando todo espaço do nada.
Assim, Eu declaro a quem quiser ouvir: religiosos, ateus, homens e mulheres de todos os cantos deste nosso planeta, deste nosso lar, “Deus está vivo”! Deus vive em cada elemento, em cada vazio. A vontade de potência de Nietzsche tem seu mérito por se encontrar no vazio da existência de Deus. Isso porque ela faz parte tanto do equilíbrio das coisas relacionadas à natureza quanto das interações sociais e do emaranhado que fundamentam a criação do Estado pelo homem. O mesmo homem que criou o Estado tem o livre arbítrio para ser aquilo que o Estado quer, ou ser aquilo que ele deseja no fundo de sua alma. O homem tem o poder sobre o homem, sobre a natureza e sobre as coisas, porém pode viver em pleno equilíbrio com tudo isso. Isso me permite dizer que o “Qi Pleno” é “Deus”, e o Homem em seu mais absoluto equilíbrio é um Deus!  
Bangse, num sentido mais sublime, disse:      
Se eu fosse um Deus, daria ao homem quantas chances, quantas oportunidades fossem necessárias, até que ele atingisse sua plenitude máxima. A “natureza”, a chance de sobreviver. As “coisas”, de poderem ser transformadas sem destruir o homem e a natureza. Desse modo, eu te digo: ama teu “Deus” com toda tua glória e plenitude, com todo teu fervor e magnitude, pois Tu és parte integrante do universo; Tu és o elemento Máximo da imensidão do vazio; Tu és a energia que complementa a plenitude; Tu és o “Qi Pleno”; Tu és um “Deus”.
Bangse assim finalizou:   
Portanto, em tua máxima identidade, em teu mais puro eu, magnífico, esplêndido, majestoso, nobre e encantador: “AGE COMO UM DEUS!”






           ANEXO
     Pensamentos de Bangse:

 O Estado, através de seus dirigentes, nivela a educação por baixo, “e bem baixo”.
 A criminalidade é banalizada nos seus mais altos níveis e absorvida pelo educando.
 A escola é subordinada aos centros de comando, consequentemente negam-lhe a participação optativa e opinativa nas decisões.
 Há indícios na construção dos alunos de enfatizar a alienação. Por quê? Para a manutenção de um estado de dependência semicolonial, que diz respeito aos países desenvolvidos e a um estado de paternalismo tratando-se da troca pelo voto.
 Na escola, a criança ou o adolescente é jogado a uma sociabilidade em que o êxito pertence ao mais forte, mais desonesto, o mais “sem educação”.
 Na escola, entre os alunos, é valorizado o mais desonesto, o mais arruaceiro. Uma agressão, seja ela qual for, eleva o praticante a um patamar de nobreza.
 A banalização da violência entra na escola pública sem bater na porta. Ali é degustada, ingerida e transformada em energia que atormenta professores e todos os envolvidos diariamente e, mais tarde, com certeza atormentará a sociedade.
 A escola é pública e serve a interesses privados da elite.
 O aluno, enquanto aluno, deve conhecer seus limites e possibilidades; a partir disso, precisa buscar a superação.
 Toda manifestação de aprendizagem de conteúdos deve ser valorizada ao  máximo e toda representação de maledicência tem que ser submetida a uma punição. Concordo com Nietzsche quando diz que a educação deve ser severa, dura e com poucos elogios.
 Mais que ser um cidadão é ser você mesmo! Para ser você mesmo, a educação deve ser “severa, dura e com poucos elogios”.
Há um paradoxo na educação: se o professor não cobra do aluno ele vira um “Zé Ninguém” §; se cobra, o aluno continua um zé ninguém, porque as possibilidades de ele não se tornar um zé ninguém estão na educação.
Todos os esforços referentes à educação deveriam ser dirigidos a dar sentido à vida, à natureza. Só assim daremos um maior sentido para as pequenas coisas, para os pequenos acontecimentos vividos por todos.
Desculpe-me, Paulo Freire, mas entre uma educação sem qualidade e o refúgio no campo, prefiro um analfabeto no campo.
Quando se trata de educação, um longo passo não significa encurtar a caminhada, e sim causar uma distensão no músculo da perna.
Poderíamos educar nosso povo como nossos filhos, o problema é que nossos filhos são o nosso povo.
Ei aluno! Você mesmo! Se acha que é homem, então saiba a hora de calar, sorrir ou chorar.
É mais cômodo deixar centenas e centenas de pessoas viverem do mercado ilegal que arrumar emprego a elas.
Se você acha que pode tudo, pode acreditar: você pode!
Como atingir a perfeição: viva sua vida sem querer o que é do outro ou aquilo que lhe é imposto pela mídia.  
Como saber se o que realmente desejo não está sendo imposto pela mídia? É simples: Leia! Você tem que conhecer a si mesmo!
Você não fugirá dos desejos impostos pela mídia, porém, lendo, saberá lidar com eles.
A essência do homem é ser composto pela mesma matéria de uma estrela, só que com outro arranjo.
O que aproxima um homem urbano de uma estrela? É que a estrela aprendeu a equilibrar-se na imensidão do vazio, e o homem no meio da multidão.
Prefiro morrer atacado por um leão durante uma caçada a ser atingido por uma bala perdida nas maravilhosas praias do Rio de Janeiro.
O índio é livre. A partir do momento em que se tornar um cidadão, ele se tornará escravo do Estado.
Tome muito cuidado, pois o Estado tem o poder de arrancar sua alma. Leia muito e livre-se do poder do Estado.
Como você faz para ser você? Leia!
A marginalidade só existe porque o Estado permite.
Quanto mais o cidadão se achar livre, mais o Estado se apodera de sua alma.
O cidadão é escravo do Estado, o índio é livre.
O Estado jamais dará liberdade a alguém, até porque ele não tem esse poder.
Um verdadeiro amigo sempre ajuda o outro. O melhor amigo do Estado é a classe política partidária. O maior inimigo é a oposição, mas ela pode ser comprada.
O que equilibra o orçamento da União para pagar os aposentados são os cidadãos assassinados antes mesmo de se aposentarem.
A morte não me parece tão ruim, mas ser internado em um hospital público, hum!
A Bíblia tem um poder enorme enquanto lida.
A Bíblia tanto pode escravizar-te quanto te libertar; depende de quem te mandou lê-la.
Tu nunca serás perfeito, mas poderás tornar-te melhor.
Por mais que faças, nunca conseguirás retribuir às pessoas mais íntimas. Porque elas te deram tanto que não há objetos, palavras ou dinheiro que retribua, mesmo que seja um “tapa na cara”.
Embora saiba que o medo é uma necessidade para a sobrevivência, acredito que a maior virtude do homem é a coragem.
Coragem é ter calma na continuação de uma tarefa por mais difícil e demorada que seja. Porém, é o medo que nos avisa o momento de parar.
As pessoas que me fazem sorrir são as mesmas que me fazem chorar.
Deus criou a sombra para aqueles que não gostam de sol. E o homem, o protetor solar para aqueles que não querem ficar parados à sombra, nem tampouco queimar ao sol.
O chato de ser chato é sentir-se chato e incapaz de sair da chatice.  
Desejar sempre é uma necessidade fisiológica. Porém, desejar o que é bom é sinal de conhecimento.
Para o Estado consertar o mundo é ilegal, imoral ou engorda.
Você não é mais que ninguém, mas é alguém!
Só uma coisa me entristece: “eu”!
Aprenda a conviver com você para nunca ficar sozinho.
Para ser um Deus não é necessário ser um homem, mas para ser um Homem é necessário ser um Deus.






§ Nietzsche, em sua obra “Assim falou Zaratustra”, diz: “onde encontrei vida, encontrei vontade de potência”. E, segundo ele, a vida é a superação de si mesma. 
§ Wilhelm Reich (1897 – 1957): psiquiatra e psicanalista austro-húngaro (atualmete Ucrânia).
§ Panteísmo: doutrina que identifica o universo (em grego: pan, tudo) com Deus (em grego: theos). Em diversas culturas panteístas, a ideia de um Deus que existe em tudo complementa e coexiste pacificamente com o conceito de múltiplos deuses associados aos diversos elementos da natureza.
§ Monismo: originado da palavra grega monos, “um”, que diz respeito às teorias filosóficas que defendem a unidade da realidade como um todo (em metafísica) ou a identidade entre mente e corpo (filosofia da mente).
§ Plotino (205 a 270 d.C): nascido em Licópolis, Egito, foi discípulo de Amônio Sacas durante 11 anos e mestre de Porfírio, que nos legou seus ensinamentos em seis livros de nove capítulos cada, chamados de “As Enéadas”.
§ A síndrome das pernas inquietas foi descrita pelo neurologista sueco Karl-Axel Ekbom em 1947. Caracteriza-se por uma desordem neurológica, por alterações da sensibilidade e desconforto nos membros inferiores, porém pode acometer também os braços. A síndrome atinge 5% da população em geral e 10% dos idosos.
§ Palavra originada do latim vacuum: significa o vazio, que não contém absolutamente nada, um espaço circunscrito sem matéria.
    Na matemática, o vazio (representado graficamente por Ø) é o conjunto que não possui elementos. Como todos os conjuntos vazios são iguais uns aos outros, é permissível falar de um único conjunto que não possui elementos. A união do conjunto vazio com qualquer conjunto X é X. A intersecção do conjunto vazio com qualquer conjunto X é o conjunto vazio. Logo, ele possui zero elementos; em termos formais pode-se afirmar que o número inteiro zero é o conjunto vazio.
§ Emmanuel Kant (1724 – 1804), filósofo alemão considerado o último filósofo dos princípios da era moderna, foi um verdadeiro representante do Iluminismo.
§ A posteriori tem como oposto a priori; faz parte de uma expressão maior a posteriori ratione: raciocínio baseado no que veio depois. Um raciocínio a posteriori precisa apoiar-se na experiência, ou seja, em fatos obtidos pela observação ou pelo experimento.
§ Martin Heidegger (1889 – 1976): filósofo alemão, fundador da fenomenologia, foi um dos maiores gênios da filosofia do séc. XX. Influenciou grandes filósofos, dentre eles Jean-Paul Sartre.
§ Jean-Paul Sartre (1905 – 1980): filósofo francês com forte influência da fenomenologia.
§ Arthur Schopenhauer (1788 – 1860): filósofo alemão da corrente irracionalista, introduziu o Budismo e o pensamento indiano na metafísica alemã. Influenciou fortemente Friedrich Nietzsche.
§ Friedrich Wilhem Nietzsche (1844 – 1900): influente filósofo alemão, sua obra continua ainda hoje de difícil e contraditória compreensão.
§ Leonardo di ser Piero da Vinci (1452 – 1519): pintor, arquiteto, engenheiro, escultor, cientista, músico do Renascimento da Itália. Devido à sua multiplicidade de talentos, é considerado um dos maiores gênios da história da humanidade.
§ Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791): católico convicto, compositor e músico austríaco, foi o expoente máximo da música clássica.
§ Cabo de guerra, conhecido também como jogo da corda, fez parte dos Jogos Olímpicos de 1900 a 1920. É uma atividade recreativa na qual duas equipes competem entre si em um teste de força. O cabo é marcado num ponto central, cada equipe tem como objetivo puxar a equipe rival de modo a fazê-la cruzar a linha central.
§ Lev Semionovitch Vygotsky (1896 – 1934): grande pensador russo, teve sua importância como pioneiro na noção de que o desenvolvimento intelectual das crianças ocorre em função das interações sociais.
§ Neste sentido, o desequilíbrio é o engordar ou emagrecer. É uma resposta do organismo ao excesso ou à falta.
§ A palavra trófica é originada do grego “trophé”, que significa nutrição, relativo à nutrição dos tecidos.
§ Erhart, Eros Abrantes. Neuroanatomia.. São Paulo: Ateneu, 01, 1974.
§ Georg Simmel (1858 – 1918): sociólogo alemão, desenvolveu o que ficou conhecido como microssociologia.
§ Qi: é um termo associado de um modo bem amplo ao conceito ocidental de energia, encontrada em todos os seres vivos, interagindo entre si, modificando-se mutuamente. Esse mesmo som representa em chinês a energia dos alimentos (o vapor que sai do arroz ao cozinharmos), do ar e a energia pré-natal.
§Forçaessência”: palavra criada por Bangse para expressar a substância do vigor, o ser do poder, a necessidade da energia.
§ No sentido real da palavra, do latim “promulgare”, vulgarizar, propagar, encontrar-se em tudo.
§ Vós entendereis melhor no final desta obra.
§ “Ditadurindividualismo”: palavra criada por Bangse para expressar “o poder para si e o desrespeito que suprime a liberdade do outro”.  Os direitos do indivíduo prevalecem sobre os da sociedade. É uma suposta liberdade individual em que vale o interesse de cada um em detrimento do outro.
§ Direção, coordenação, funcionários e o próprio espaço público da unidade escolar.
§ Harrison, G. A. Biologia Humana: introdução à evolução, variação e crescimento humanos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971, p. 34.
§ Carl Gustav Jung (1875 – 1961): psicólogo suíço que fundou a escola analítica de psicologia.
§ Aquele que desejar aprofundar-se nas funções psíquicas poderá estudar Jung.
§ Seus experimentos com sonhos periódicos e visões com notáveis características mitólogicas e religiosas mudaram os rumos da psicologia. Seu principal interesse eram os mitos, os sonhos e a psicologia da religião.
§ Para Bangse, o “sentimento emocional” é o ato de sentir, a sensibilidade puramente abstrata da realidade imediata, concreta do consciente. Para ele, isso significa o instinto, atuando nas condições humanas, influenciando na personificação momentânea do ato em si, operada por um modo de ser exercido pelo poder do Estado.
§http://osamigosdopresidentelula.blogspot.com/2006/10/clima-de-vitória-domina-cerimônia..
§ Revista Carta Capital, de 21/09/2005, ano XII, número 360, p. 28-33.
§ Os ataques violentos do PCC contra civis e militares teve inicio em 12 de maio de 2006. Os principais alvos foram os departamentos da polícia, o corpo de bombeiro, as agências bancárias; foram utilizadas bombas caseiras, granadas e metralhadoras.
§ Mensalão: nome popularizado do escândalo do esquema de votos de parlamentares do Congresso Nacional do Brasil em 2005.
§ Nietzsche, Friedrich Wilhelm (1844 – 1900). Além do Bem e do Mal: prelúdio a uma filosofia do futuro/Friedrich Nietzsche. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
§  Nietzsche, Friedrich Wilhelm. Idem, ibidem.
§ Hannah Arendt (1906 – 1975) foi uma teórica política alemã considerada filósofa, apesar de ter
recusado essa designação.
§ O Muro de Berlim foi uma realidade e um símbolo da luta do “povo” da República Federal da Alemanha, o qual reunificou a Alemanha Oriental com a Ocidental em 9 de novembro de 1989. Em nome da “liberdade”, muitos ali morreram, outros ficaram feridos e ou aprisionados.
§ Nietzsche, Friedrich Wilhelm. Idem, ibidem.
§  Nietzsche, Friedrich Wilhelm. Idem, ibidem.
§ Platão 427 – 347 a..C.: filósofo grego nascido em Atenas, teve como mestre Sócrates, do qual foi  grande admirador.
§ Zaratustra: do livro de Niezsche Assim falou Zaratustra, é uma narrativa em que centenas de máximas e aforismos paradoxais circulam através de suas palavras profundas e poéticas, as quais apontam contra a doutrina filosófica vigente. Zaratustra é um anti-Cristo, anti-Buda, antiprofeta e antimístico, que tenta colocar em xeque a ética através dos valores morais. Inverso dos valores, destruidor de ídolos, divulgador da “morte de Deus”, Zaratustra consolida a falência do Absoluto de Hegel, da Vontade de Schopenhauer, etc.
§ Bangse diz “desigualdade globalizada” referindo-se ao saber, às oportunidades, aos desejos construídos culturalmente e à felicidade desigual construída na alma. 
§ Há mais pessoas enfermas por excesso de alimentação do que por falta. A comida em excesso causa problemas de obesidade, artrose, hipertensão, diabetes, etc.
§ Corpos materiais: meteoros, luas, cometas, nebulosas e bilhões e bilhões de estrelas agrupadas  num mais perfeito e absoluto equilíbrio, pela geometria de seus campos de gravitação em maciços, nuvens, galáxias e sistemas supergaláticos.
§ O astrônomo Edwin Hubble estudou do observatório de Monte Wilson, com todo o cuidado, as áreas típicas do céu e calculou a quantidade de matéria nessas áreas.
§ William Shakespeare (1564 -1616): dramaturgo e poeta inglês.
§ José Ferrater Mora: autor do dicionário de filosofia que leva seu nome.
§ Como citado anteriormente, pesquisar em Jung.
§ "Deus está morto. - Viva perigosamente. Qual o melhor remédio? - Vitória!".
§ Ler Wilhelm Reich (1897 – 1957): psiquiatra e psicanalista austro-húngaro (atualmete Ucrânia), autor da obra Escutas Ninguém.