terça-feira, outubro 03, 2006

POLÍTICA EDUCACIONAL E LDB: ALGUMAS REFLEXÕES

Maria Aparecida Zanetti
www.milenio.br/ifil/Biblioteca/zabetti.htm
Buscarei, ao longo desta exposição, apresentar, de forma sucinta, um paralelo entre algumas das políticas educacionais do Banco Mundial, o Planejamento Político-Estratégico do MEC nas suas versões de março e maio de 1995 e a LDB no seu texto final – Lei 9394/96 e o PL 1258/88. Esta apresentação visa mostrar, dentre outros aspectos, o quão fundamental foi, para o Governo FHC, a não aprovação do PL 1258/88 e a aprovação do projeto de LDB-Darcy Ribeiro (LDB-DR) como uma das respostas às políticas neoliberais implementadas pelo Banco Mundial.
Ao abordar este tema não podemos deixar de observar - e, para isso, se faz necessário uma retomada histórica - o quanto o projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional do Governo se identifica com uma concepção neoliberal de educação, vinculada às políticas do Banco Mundial para a educação na América Latina e, especialmente, para o Brasil.
Chamarei o projeto construído com a ampla participação de diferentes segmentos organizados da sociedade civil - representados principalmente pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública - de Projeto de LDB Democrática e Popular, o qual vincula-se, também, a uma concepção de sociedade e educação, distinta daquela defendida pelo neoliberalismo que, como afirma Perry Anderson(3), busca alternativas à crise do capitalismo, a partir da defesa de um Estado forte em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, porém parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas.
Cabe lembrar, antes de entrarmos no histórico da LDB que, antes de sua aprovação, tínhamos vigentes quatro legislações educacionais, originadas em períodos distintos da história brasileira - antes e durante a ditadura militar - que tratavam a educação de forma fragmentada, desconsiderando a idéia de sistema nacional de educação (SNE). São elas(4): 4.024/61, 5.540/68, 5692/71 e 7.044/82 (retira a obrigatoriedade de ensino profissionalizante para o 2° grau).
Na Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988, através do seu artigo 22, inciso XXIV, fica definida como competência privativa da União, legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional, abrindo com isto a possibilidade de reformulação da legislação educacional brasileira.
Neste sentido, inicia-se um amplo processo de discussão, proposição e negociação da LDB a partir de grupos de trabalho, audiências públicas, seminários temáticos, debates e encontros por todo o país, do qual o Deputado Jorge Hage afirma ser "... o mais democrático e aberto método de elaboração de uma lei que se tenha notícia no Congresso Nacional."
O processo de tramitação da nova LDB inicia-se na Câmara Federal em dezembro de 1988. O Dep. Octávio Elísio apresenta o primeiro projeto. Em março de 1989 o Dep. Ubiratan Aguiar, então Presidente da Comissão de Educação, Cultura e Desporto, organiza um Grupo de Trabalho, do qual o emérito Dep. Florestan Fernandes é coordenador e o Dep. Jorge Hage o relator.
Ainda em 1989, agora estando na Presidência da Comissão o Deputado Carlos Sant’Anna, intensificam-se as discussões e negociações com a participação dos parlamentares mais representativos das diferentes posições políticas sobre a questão educacional, culminando com a terceira versão do Substitutivo Jorge Hage à LDB.
Com a sucessão de mandatos e a não reeleição dos parlamentares representados até então, assume a relatoria, a partir da correlação de forças que se instala em 1991, a Dep. Angela Amin (PPR/SC). O primeiro relatório apresentado reflete posições reacionárias quanto à educação brasileira. Para o segundo relatório - a partir da presença constante do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e da criação de uma comissão interparlamentar da qual participam representantes de todos os partidos - Angela Amin concorda em submeter seu relatório a um Fórum de Partidos do qual resulta o projeto que vai ao Plenário e retorna às Comissões da Câmara.
Em 13 de maio de 1993 é aprovado o Projeto da Câmara, sob n° 1.258/88. Apesar de não estarem totalmente contempladas, neste Projeto, as propostas dos diferentes segmentos que integram o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, consideramos da maior importância o processo democrático construído ao longo deste tempo, bem como, o resultado que é fruto dos limites e possibilidades deste mesmo processo.
No Senado, em 1994, o projeto de LDB recebe o número PL 101/93 e a relatoria do Senador Cid Sabóia (PMDB-CE), iniciando-se, nesta Casa, novo processo de discussão e negociação. Após todo o trâmite legal, em 1995 a LDB está pronta para ser posta em Plenário. Em 30 de janeiro deste ano, vai ao Plenário do Senado, porém por falta de quorum não é votada.
Com a nova legislatura, iniciada com o governo FHC, em 1995, a LDB, a partir de uma manobra do MEC, sofre um golpe(6) regimental. Conforme Bollmann(7), isto se dá a partir da alegação, por parte do Senador Darcy Ribeiro (PDT/RJ), da inconstitucionalidade de uma série de artigos do PL 101/93, na sua maioria referentes ao Conselho Nacional de Educação(8). Assim, este senador apresenta um substitutivo, "...anexando-o a um projeto de lei provindo da Câmara, de autoria do ex - deputado Florestan Fernandes, de número 045/95 e que tratava de bolsas de estudo para a pós-graduação." Neste projeto, que continha apenas oito artigos, o Sen. Darcy Ribeiro retirou seis e acrescentou 83 artigos. A partir desta manobra regimental, que "... teve sua origem no requerimento do Senador Beni Veras (PSDB) com a articulação do Senador Roberto Requião (PMDB/PR) ..."(9) apresenta-se o Substitutivo Darcy Ribeiro à LDB, fazendo com que o Substitutivo Cid Sabóia retorne à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) e à Comissão de Educação do Senado.
A partir daquele momento - 17 de março - conforme Bollmann, se inicia a luta das entidades integrantes do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, não mais pela "aprovação imediata da LDB", mas pela "rejeição do Substitutivo Darcy Ribeiro" e "aprovação do Substitutivo Cid Sabóia".
Grande foi à indignação por parte de alguns parlamentares e das entidades do Fórum Nacional, por tamanho desrespeito a um processo de seis anos de ampla e democrática construção de uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Atos públicos, caravanas, visitas aos gabinetes de parlamentares, dentre outras ações, foram envidadas, demonstrando o desacordo da sociedade para com a LDB-DR que retornou a Câmara, após ter sido aprovada no Plenário do Senado.
Na Câmara, o projeto retornou na forma do Substitutivo Darcy Ribeiro. O relator designado foi o deputado José Jorge (PFL-PE). Na sessão realizada no dia 17 de dezembro de 1996 é aprovado o relatório apresentado pelo relator contendo o texto final da LDB. A sanção presidencial não efetuou nenhum veto ao texto, sendo promulgada em 20 de dezembro de 1996 a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394/96.
No que se refere às questões de conteúdo, obviamente sem a pretensão de esgotá-lo, analisaremos - como nos propusemos de início - as relações entre o texto do PL 1258/88, a Lei 9394/96, o Planejamento Político-Estratégico do MEC (PPE/MEC) e ainda, algumas das políticas do Banco Mundial para a educação brasileira.
“Tudo o que não estiver na lei será permitido”. Esta é a afirmação literal do MEC no seu PPE - versão de março, que nos permite repensar as críticas feitas por Darcy Ribeiro ao Projeto de LDB Democrática e Popular, chamando-o de retrógrado e detalhista. Esta adjetivação, aliada àquela afirmação do MEC, se desvela quando observamos, por exemplo, na redação da LDB/DR:
- a não explicitação dos requisitos de funcionamento de instituições privadas de ensino, tais como: a participação da comunidade docente na definição das orientações pedagógicas, uma proposta pedagógica e de organização institucional capazes de atender aos padrões mínimos de qualidade de ensino, liberdade de organização sindical e associativa;
- a omissão de que será "vedada à cobrança de qualquer tipo de taxa dos alunos...", no inciso que tem como um dos princípios da Educação Nacional, a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
- também, a omissão da garantia de padrão de qualidade "em todos os níveis e da sua integração no nível superior com a pesquisa e extensão".
Ainda no texto do projeto de LDB DR/MEC, cabe observar que o detalhismo criticado é contraditório com os artigos que determinavam os deveres dos pais, docentes e, ainda, em uma de suas versões, os deveres dos diretores e alunos - questões essas compatíveis com um regimento escolar e não com uma lei de diretrizes e bases da educação.
O que Darcy Ribeiro chama de retrógrado e detalhista no Projeto de LDB Democrática e Popular nada mais era do que a necessária explicitação das diretrizes e bases da educação brasileira, que buscavam, conforme Saviani, "... superar a visão fragmentária e o estado de desagregação em que se encontra a nossa educação...", abrindo caminho, sob o conceito de sistema nacional de educação, para a "...construção de uma escola comum, extensiva a todo o território nacional, unificada pelos mesmos objetivos, organizada sob normas também comuns e regida pelo mesmo padrão de qualidade."
A estrutura fragmentária apresentada na Lei 9394/96 inviabiliza a idéia de sistema nacional de educação, pois nela as diretrizes não são contempladas, a articulação e coordenação entre os Sistemas de Ensino - que seriam exercidas pelo Conselho Nacional de Educação, enquanto órgão normativo, e pelo Ministério como órgão executivo e de coordenação - ficam restritas ao Poder Executivo, impossibilitando a participação dos segmentos organizados da sociedade civil. Além disso, a Educação de Jovens e Adultos, a Educação Profissional(16), a Educação Infantil e a Educação Especial recebem um tratamento desarticulado da educação escolar regular.
O caráter que se buscava implementar a gestão da educação brasileira, na perspectiva de valorização do ensino público - a partir da articulação entre Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação, Fórum Nacional de Educação, com função avaliativa e prepositiva - é substituído pela centralização das decisões no MEC e descentralização da execução. Neste sentido, cabe ao MEC o papel político-estratégico, aos estados e municípios atuar no nível estratégico-gerencial e à escola o nível gerencial-operacional, porque, segundo o documento Planejamento Político-Estratégico do MEC, “... é na escola que estão os problemas e é na escola que está a solução". A isto o MEC chama, neste mesmo documento, de "modernização gerencial em todos os níveis e modalidades de ensino e nos órgãos de gestão".
Estes níveis de atuação são melhores compreendidos à luz de algumas das influências do Banco Mundial no setor educacional. Conforme Tommasi, apesar dos empréstimos para os países em desenvolvimento somarem, apenas, cerca de 0,5% do total de gastos com educação, o Banco visa influenciar nas políticas educativas, particularmente, em mudanças nas formas de gestão e na alocação dos recursos. Para ele, o maior problema do sistema de educação brasileiro são os altos índices de repetência e evasão causados pela sua baixa qualidade. Tal baixa qualidade, segundo o Banco, advém, basicamente, da falta de livros didáticos e outros materiais pedagógicos, de prática pedagógica inapropriada - que estimula os professores a reprovar - e da baixa qualidade de gestão (superposição das ações entre os três níveis de governo, clientelismo e nepotismo que permitem a contratação de funcionários em números excessivos).
Para solucionar estes problemas o Banco estabelece as seguintes ações: a)providenciar livros didáticos e outros materiais de ensino; b)melhorar as habilidades dos professores em técnicas de sala de aula, capacitando-o em sala e à distância - prevêem avaliar a eficácia desta capacitação considerando a mudança do comportamento dos professores em sala de aula; c)elevar a capacidade de gerenciamento setorial, fortalecendo os sistemas de avaliação e informação.
Essas três ações são componentes de todos os projetos financiados pelo Banco e aparecem, também, no Planejamento Político-Estratégico do MEC, o que nos leva a inferir sobre as respostas que o governo brasileiro dá às políticas estabelecidas pelo Banco Mundial e não as análises e propostas que os profissionais da educação levantam, pautadas nas demandas reais da educação brasileira. Neste sentido, parece-nos claro, o porque do golpe implementado pelo governo FHC no projeto de LDB Democrática e Popular, respondendo não às necessidades educacionais brasileiras e sim às determinações do Banco Mundial.
Vejamos agora como as respostas do governo FHC para o Banco Mundial aparecem no Planejamento Político-Estratégico do MEC:
a) No que se refere ao ensino fundamental, dentre as ações apresentadas, está a fiscalização da utilização dos recursos através do controle de resultados, os quais se darão, na escola através do aproveitamento dos alunos. Isto nos leva a indagar, até que ponto os resultados escolares, por estarem vinculados a alocação de recursos, não efetivarão uma prática de aprovação sem critérios pedagógicos? Como aprimorar o sistema de avaliação se o sentido colocado pelo MEC é o de melhoria da qualidade dos testes, criando mecanismos eficazes de disseminação dos resultados?
b) Ainda no Ensino Fundamental, outra ação do Ministério é garantir a provisão do livro didático e trabalhar pela melhoria de sua qualidade, elaborando, inclusive, catálogos analíticos dos livros existentes.
c) No que se refere aos professores e diretores, promoverá um amplo programa de treinamento, particularmente através do ensino à distância, visando preparar a escola para os novos padrões curriculares, para a escolha e melhor utilização do livro didático, bem como, para os sistemas de avaliação e à gestão escolar.
Tanto para o Banco Mundial quanto para o MEC, a prioridade encontra-se no ensino fundamental, particularmente nas quatro primeiras séries. Para explicitar esta prioridade do Banco, tomaremos algumas referências de Fonseca:
"No final da década de 70, o interesse do Banco direcionou-se para a educação primária (quatro primeiras séries), doravante considerada como a mais apropriada para assegurar às massas um ensino mínimo e de baixo custo, para a consecução das novas diretrizes de estabilização econômica ... essas diretrizes constituem condição indispensável para o alcance do desenvolvimento sustentável, pelo fato de que a intensificação do crescimento demográfico agride a integridade dos recursos naturais e, portanto, interfere na qualidade de vida do mundo ocidental.A política do Banco para a educação primária tem sido fundamentada por estudos populacionais ... Os resultados atribuem ao nível primário maior capacidade de preparação da população feminina para a aceitação das políticas de planejamento familiar e também para o estímulo à intensificação de sua participação na vida produtiva, especialmente no setor agrícola.De acordo com o documento setorial do BIRD (Banco Mundial, 1980) a distribuição dos recursos do Banco para os diversos níveis de ensino confirma a importância do nível primário: se, até a metade dos anos 70, esse nível beneficiava-se com apenas 1% dos créditos do Banco, na década de 80 esta taxa cresceu para 43%.
O MEC quando se refere ao ensino fundamental no seu Planejamento Político-Estratégico, afirma que todos os estudos e diagnósticos apontam este nível como a "raiz dos problemas educacionais brasileiros" e ainda que, "há escolas, há vagas, há evasão, há repetência, há professor mal treinado, professor mal pago, há desperdício" e, expõe que sua diretriz é a obtenção de melhores resultados para os alunos nas escolas. Essa diretriz é entendida como "gestão da qualidade" e se aplica aos diversos níveis e graus de ensino e às demais áreas de atuação. Para o Ministério, o conceito de qualidade engloba o acesso, o progresso e o sucesso do aluno na escola, aplicado diferentemente em cada nível de ensino.
Desta forma, segundo o mesmo documento, no ensino fundamental, "a ênfase recairá no progresso e no sucesso" - o que nos leva a questionar, se o MEC considera o aspecto acesso praticamente resolvido ou se a municipalização, enquanto transferência de responsabilidades para os municípios, é que deve dar conta desse aspecto. No ensino médio, "além de se buscar o progresso e o sucesso do aluno, o acesso, em sentido lato, constitui uma barreira a ser superada". Quanto ao ensino superior, a busca de qualidade, segundo o MEC, deve pautar-se pela "racionalização dos gastos, pelo aproveitamento do enorme potencial que as instituições de ensino superior representam, em termos de recursos humanos e físicos mobilizáveis com vistas ao desenvolvimento econômico e social do país". Neste nível de ensino, a questão da racionalização de recursos é o carro-chefe de todos os projetos governamentais, haja vista a proposta de emenda constitucional - PEC 233A para a educação, o projeto de LDB-DR, a autonomia proposta pelo governo para as Instituições Federais de Ensino Superior que orientam à captação de recursos privados para a sua manutenção.
Retomando a análise da LDB, pontuaremos, ainda de forma comparativa, alguns outros elementos dos seus textos.
No que se refere à educação infantil, tivemos - nos textos que se seguiram ao de relatoria do deputado Jorge Hage - uma crescente descaracterização da mesma, que deixa de estar incluída no âmbito da educação regular e sujeita às normas de funcionamento e à supervisão dos sistemas de ensino, particularmente, o municipal, além da fragilização da responsabilidade pública pela oferta e financiamento deste nível de ensino.
Desaparece, na nova LDB, a obrigatoriedade do ensino de Educação Física, Sociologia, Filosofia, argumentando-se sobre a dificuldade de algumas localidades terem docentes nestas disciplinas. Com isto, a legislação perde o caráter normativo e indicativo. Outra conseqüência é que, com a competitividade que se instala entre as escolas para o recebimento de recursos, podemos vislumbrar que, mesmo aquelas que hoje tem docentes nestas disciplinas, podem vir a dispensá-los, desqualificando ainda mais a educação.
No ensino fundamental, a LDB faculta aos sistemas de ensino o desdobramento em ciclos. O primeiro, segundo argumentações de Darcy Ribeiro, seria caracterizado pela unidocência, enquanto o segundo pela pluridocência. Esta definição pode dar caráter de terminalidade já no primeiro ciclo, ao invés de garantir tal obrigatoriedade ao final das oito primeiras séries da Educação Básica.
A LDB nº 9394/96 não prevê, por parte da escola, a eleição dos seus dirigentes; de outra parte, na educação superior, desaparece a paridade entre docentes, técnicos-administrativos e alunos na escolha de dirigentes e na representação em conselhos e comissões, ficando os docentes com 70% do poder e os estudantes e técnicos-administrativos com apenas 30%. Embora apareçam neste projeto as palavras "gestão democrática", não podemos deixar de concluir que encontra-se bastante comprometida a perspectiva de gestão democrática na LDB.
Ainda considerando a educação superior, vale ressaltar que a LDB praticamente em sua íntegra - descaracteriza este nível de ensino, enquanto público-estatal, em relação ao PL 1258/88. Vejamos, a partir de alguns pontos, como isso se dá:
- quanto às finalidades da educação superior, estas aparecem precarizadas, por exemplo: "incentivar o trabalho de pesquisa" ao invés de pesquisar; "promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos" ao invés de divulgar;
- a avaliação institucional, no PL 1258/88, buscava a análise criteriosa do funcionamento das instituições de ensino superior, identificando onde estão os seus problemas, de quem é a responsabilidade de solução (interna ou externa à instituição) - que no caso de universidade pública será do Poder Executivo; definia o prazo e quem participaria da avaliação (comunidade interna - professores, alunos, funcionários - e, comunidade externa - membros da Comissão Autônoma da Avaliação e do Poder Executivo), tudo isto com o caráter de revitalização da instituição avaliada. Na LDB aprovada, por outro lado, o caráter é punitivo, ou seja, a instituição que não obtiver resultados satisfatórios pode ter desativado seus cursos e habilitações, bem como sofrer intervenção, suspensão temporária de prerrogativas da autonomia ou descredenciamento;
- a autonomia aparece com o caráter de desresponsabilização do Estado para com a manutenção deste nível de ensino, empurrando-o para a captação de recursos na iniciativa privada, porém, mantendo o controle dos resultados através da avaliação.
- o regime jurídico único desaparece e com ele o plano de carreira único e a isonomia salarial, colocando-se, no seu lugar, o regime jurídico especial, que "possibilita" a criação diferenciada - nas universidades públicas - de um quadro de pessoal docente, técnico e administrativo, bem como um plano próprio de cargos e salários;
- a dedicação exclusiva, que tem como uma das funções garantir a pesquisa, é substituída pelo regime de tempo integral, que pode levar ao sistema horista de trabalho, ou seja, cada professor ser remunerado pelo número de horas-aula;
- a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão desaparece quando são criados diferentes tipos de ensino superior: universidades, centros de educação superior, institutos, faculdades e escolas superiores, não definindo claramente, qual a função de cada um deles e favorecendo a formação de profissionais fora da universidade;
- a universidade se caracteriza, segundo a LDB, dentre outros aspectos, pela maioria dos docentes com titulação em nível de especialização, mestrado e doutorado. Com este critério, várias faculdades particulares que, hoje, funcionam com a maioria dos seus docentes com especialização, se transformarão em universidades. Além disso, o CRUB - Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras -, será composto, em sua maioria, por representantes de instituições privadas de ensino superior, que poderão ter suas posições privilegiadas, quando do voto.
- quando da ocorrência de vagas, segundo o projeto de LDB-DR, serão abertas matrículas à alunos não regulares, os quais receberão certificados de conclusão de cursos seqüenciais(32), conforme os requisitos das instituições de ensino. O Substitutivo de Darcy Ribeiro não dizia o que esta certificação possibilitaria como atuação. Esperamos que não seja como docente.
No que se refere à educação especial, a LDB-DR, não contempla o dever do Estado em garantir a oferta obrigatória e gratuita e, sim somente a oferta de serviços de educação especial que, tradicionalmente, tem se dado através de convênios com ONG’s - organizações não-governamentais.
Quanto ao financiamento da educação temos:
a) delimitado, no PL1258/88, que “a educação pública será financiada...”, enquanto que na LDB aparece...” recursos públicos destinados à educação...". Podemos inferir que esta sutileza demanda cuidados, pois, financiar a educação pública com recursos diversos é diferente de financiar a educação com recursos públicos. Neste último, pode abrir-se o financiamento público de instituições não-governamentais;
b) com a redução das fontes de financiamento na LDB-DR, desaparecem, entre outras, as provenientes de receita de loterias e de quaisquer concursos de prognósticos, doações e legados;
c) a Lei aprovada retoma do Substitutivo Jorge Hage, a delimitação das despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino e daquelas que não farão parte deste financiamento. Esta precisa delimitação, garante que os gastos não previstos sejam retirados de outros orçamentos, como por exemplo, da saúde e não da educação.
Em relação à definição da quantidade de recursos para o ensino fundamental, a LDB determina que os mesmos sejam estabelecidos a partir de um "custo mínimo por aluno calculado pela União e capaz de assegurar ensino de qualidade". Já o PL1258/88 estabelece que "deverão ser assegurados recursos para despesas correntes e de capital, com base num percentual mínimo a ser estabelecido por lei, sobre o orçamento de cada esfera de governo". O texto da LDB-DR se assemelha ao que propõe o Banco Mundial para o ensino superior público, quando afirma que "os recursos para o ensino superior federal deverão ter por base fórmulas derivadas de estimativa de quanto deveria custar, com uma base unitária, levantando as atividades do ensino superior por nível e campo de estudo”.
É importante ressaltar que as interferências do Banco Mundial na educação brasileira fazem parte de um projeto de sociedade calcado no ideário neoliberal que ora se hegemoniza.
No Brasil, vemos o governo brasileiro refém e aliado destas políticas neoliberais, respondendo com um Estado "enxuto de políticas sociais" e farto em responder as demandas externas, determinadas pelo Banco Mundial.
Finalizando, retomamos o Planejamento Político-Estratégico do MEC, no qual ficam explicitadas, em grande parte, as suas intenções para com a condução da educação brasileira, enquanto respostas ao modelo neoliberal de educação. Ficam claras, ainda, o porque do "não detalhamento" da LDB e a imensa quantidade de medidas inibidoras da educação pública e facilitadora da educação privada. Vejamos, para isto, o referido texto no título "Inovação":
"Atualmente, as inúmeras amarras legais para que a escola tente inovar afetam basicamente as escolas mais criativas, que se encontram sobretudo na área não-governamental. Rever o arcabouço normativo para incentivar a inovação implica (1) retirar da Constituição dispositivos que engessam a gestão do sistema educacional - PEC 233A, PEC 370 (grifos e destaques meus); (2) aprovar uma nova lei de Diretrizes e Bases que possibilite a diversificação institucional: novos cursos, novos programas, novas modalidades; (3) instituir um novo Conselho Nacional de Educação, mais ágil e menos burocrático - significa, além do que já analisamos neste texto, permitir mais, com menos critérios (grifos e destaques meus); (4) modificar regulamentações para garantir maior autonomia à escola (por exemplo, transferindo recursos diretamente para a escola e dando-lhe autonomia para classificar os alunos por série); (5) transferir a ênfase dos controles formais e burocráticos para a avaliação de resultados" (p.8)
O que o MEC chama de controles formais e burocráticos, denominamos diretrizes, as quais são pressupostos básicos em uma lei de diretrizes e bases da educação; por outro lado à transferência da ênfase para a avaliação de resultados, significa, grosso modo, deslocar a questão educacional do pólo político-social para o pólo técnico-administrativo, ignorando as determinações externas à escola e reduzindo tanto a análise quanto às soluções dos problemas educacionais brasileiros à gestão interna da escola, ou como diz o mesmo documento "é na escola que estão os problemas e é na escola que está a solução".
Com tudo isto, é fundamental nos questionarmos, como Siqueira: até que ponto não caminhamos para um processo de maior exclusão social? Qual o papel da educação nessa caminhada? Que sociedade estamos construindo, negando ou reduzindo a possibilidade de acesso e permanência em escolas públicas, de qualidade e gratuitas, em todos os níveis?